(Artigo de Eduardo Torres, que deveria ter sido publicado na 2ª feira, mas que por troca nossa - com o artigo "Palavras que foram ditas - 15" -, só é publicado hoje)
As Salésias
Como já várias vezes se escreveu, o Estádio das Salésias, mais tarde chamado José Manuel Soares (PEPE), foi não só uma obra magnífica de esforço e de dedicação do Belenenses, como ficou sendo, por muitos anos, o melhor estádio do país. Foi o primeiro a ser arrelvado, o primeiro a ter uma bancada coberta, o primeiro a ter um campo de treinos complementar… a que ainda acresciam pistas de atletismo / ciclismo, um ginásio e instalações condignas.
Em 15 de Dezembro de 1926, pelo Decreto nº 12.823, o Governo fez constar:
“Considerando que ao Governo da República não pode ser alheio o interesse pela causa desportiva do país;
Considerando que o Clube de Futebol ‘Os Belenenses’ por várias vezes tem pedido a cedência de terrenos anexos ao Asilo Nun’Alvares para ali instalar o seu campo desportivo;
Considerando que em nada o referido asilo é prejudicado por tal cedência:
Em nome da Nação, o Governo da República Portuguesa, sob proposta do Ministro das Finanças, decreta para valer como lei o seguinte:
Artigo 1º: É cedida a título precário ao Clube de Futebol ‘Os Belenenses’, com sede na Rua Vieira Portuense, nº 48- 1º, em Belém, desta cidade de Lisboa, uma faixa de terrenos, constante da planta anexa ao processo arquivado na respectiva Repartição, para nela serem instalados a sede e o campo de desporto do referido clube.
Artigo 2º: Reverterá para a posse do referido Asilo a referida faixa de terreno, com todas as benfeitorias ali feitas, e sem indemnização, quando deixar de ser utilizada para o fim a que agora é destinada.
Artigo 3º: O Clube de Futebol “Os Belenenses” entregará ao Asilo Nun’Álvares a percentagem de 6 por cento sobre a receita bruta de todos os desafios de futebol ou festas desportivas, ali realizadas, bem como a receita líquida duma festa desportiva anual.
Artigo 4º: Fica revogada a legislação em contrário.
Obviamente, os sublinhados são nossos. Destinam-se a que não se passe em claro realidades sem as quais é impossível fazer justiça ao belenenses:
* Construiu-se todo o excelente património das Salésias à custa do esforço do clube e não de subsídios, subsídios e mais subsídios. Não recebemos de graça!
* Durante anos a fio, o Belenenses contribui muito relevantemente para uma obra social
* Enquanto outros clubes, ao deixarem os seus campos, onde tinham feito obra muito inferior à realizada pelo Belenenses, receberam dinheiros públicos, nós nada recebemos pelos terrenos das Salésias.
Adiante. Logo em 5 de Abril de 1927, iniciaram-se as obras. E, aqui, damos a palavra a Acácio Rosa, que relata: “Após esforços e sacrifícios de toda a ordem, tendo como alma criadora o jogador Joaquim de Almeida, o Belenenses inaugura as Salésias a 29 de Janeiro de 1928, num encontro com o Carcavelinhos para o Campeonato de Lisboa.
A propósito do campo, Ribeiro dos Reis [várias vezes seleccionador nacional, treinador do Benfica e co-fundador de “A Bola”] diz que ‘o rectângulo de jogo é amplo e desafogado. O plano do peão é o mais vasto de todos os nossos campos e quando devidamente acabado deve produzir um magnífico aspecto’.
O campo ainda não possuía bancadas; provisoriamente foram utilizados bancos ao longo da linha lateral. Capacidade: 20 mil lugares”
Em 21 de Junho de 1931, é inaugurado o corpo central de bancadas. No ano seguinte (na presidência de José Rosa, pai de Acácio Rosa), em 25 de Maio, é construída uma bancada para os sócios, uma pista de atletismo (na altura a melhor do país) e um posto médico. Note-se que as bancadas eram em cimento – não em madeira, como as de outrios clubes, nomeadamente o Benfica, com a sua famosa “serração de madeira”.
Em 24 de Abril de 1937, inaugurou-se o relvado das Salésias, o primeiro de Portugal – não estranhando, pois que a imprensa classificasse o evento como “alguma coisa de grande no nosso meio desportivo”.
Nessa altura, escreveu-se no jornal “Stadium”:
“A inauguração do estádio José Manuel Soares foi caracterizada pela imponência e brilho que o público emprestou à pugna Belenenses - Benfica, na qual os donos da casa arrancaram a vitória. Tarde de emoção e de consagração, ao esforço dos que pelo desporto muito fazem”É imponente, tudo isto. O rectângulo verde, dum verde macio que faz bem à vista, que permite ver bem o que se passa em redor. Depois, um rectângulo complementar, cor de tijolo, que forma um contraste que realça ainda mais a mancha verde do tapete de relva. Em volta, como sulco aberto na cercadura de tijolo, a fita preta da pista de atletismo. O gradeamento, em branco e azul, dá ao terreno o aspecto curioso dum grande «ring» com o público debruçado sobre o campo de luta. Num dos lados, os gradeamentos limitam os alçapões de mágica por onde os jogadores aparecem e desaparecem…A toda a volta, mas especialmente do lado da geral, um mar de cabeças, um mar que ainda não entrou em animar-se… Tranquilo, por enquanto. Um vento de bonança que talvez não chegue a acompanhar a ventaneira desenfreada que sopra nos camarotes… No topo de nascente - uma nota de cor, cor de rosa… São os pequenos do Asilo Nun'Álvares, companheiros do Belenenses no aproveitamento da cerca do asilo. Há quem nos diga que o Belenenses vai oferecer bibes azuis à pequenada. Assim, estão melhor. A cor de rosa é a cor dos sonhos ainda ingénuos. E dá mais alegria ao campo quando os pequenos se agrupam para ver o jogo”.
Ainda em 1937, foi construído um campo de treinos.
Em 1938, o Presidente da Direcção, Dr. Coelho da Fonseca, já declarava: “A crise do clube envolve dois aspectos: financeiro e desportivo, porque as consequências de avultados investimentos no Estádio do Clube feitos pelas gerências anteriores, cercearam a tranquilidade administrativa e a possibilidade de valorizar a secção de futebol”.
Abençoada crise essa, porém! Se virmos os resultados entre 1937 e 1940 – época de crise, para a força que o clube tinha então – e os compararmos com os actuais… A pior classificação foi um 5º lugar. As outras, oscilaram entre o 2º e o 4º lugar!
Não obstante as dificuldades referidas pelo Dr. Coelho da Fonseca, continuou o investimento no estádio, aumentando a sua capacidade para mais 5.000 pessoas. Os novos lugares foram abertos em 12 de Fevereiro de 1939, data em que nas Salésias, então o melhor estádio do país, se realizou um jogo Portugal – Suiça.
Nas Salésias se construiu também um ginásio, um campo de basquetebol iluminado, etc. Era a casa querida e sempre melhorada dos belenenses. Um património que nenhum podia orgulhar-se, nem sequer por aproximação, de possuir.
Em 1947, porém, o Belenenses é notificado para abandonar as Salésias porque o Estádio “vai ser imolado às exigências do plano de urbanização da Capital do Império”. E assim, foi necessário recomeçar, face ao pouco reconhecimento pela obra realizada. E a urbanização… ficou nas intenções. Ainda lá estão as balizas…
Em boa hora a presente Direcção anunciou o seu propósito de ver devolvido o “espaço sagrado” das Salésias!
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