quarta-feira, agosto 04, 2004

A Década de 80 (cont.) - Parte IV: E Voltam as Desilusões... - Secção III: Sombras muito negras

Como vimos no artigo anterior, nas eleições realizadas em 12 Maio de 1990, as primeiras a sério na história do clube, ou seja, com verdadeira disputa, acabaram por chegar ao fim duas listas:

- A Lista B, liderada pelo Major Baptista da Silva;
- A Lista D, liderada pela dupla Ferreira de Matos / Joaquim Cabrita, que acabou por vencer.

Na altura, eu tinha uma excepcional consideração pelo Major Baptista da Silva, que já fora Presidente entre 1972 e 1974, em anos felizes para o clube, e era meu entendimento que a sua lista era bem mais consistente, o mesmo sucedendo com o programa, embora me parecesse (como é habitual, infelizmente) algo incompleto e com bastantes lugares-comum. Continuo a pensar que Baptista da Silva prestou muitos serviços relevantes ao clube, e de alguns deles falaremos adiante; se já não o vejo rodeado pela mesma aura, isso não se deve, sublinhe-se, a qualquer coisa que ponha em causa, minimamente que seja, a sua integridade.

A sua candidatura mereceu o apoio expresso de belenenses tão ilustres como os antigos atletas do clube Vasco (uma das Torres de Belém), José Pedro (outros campeões de 46), Gatinho (uma glória do futebol azul dos anos 30 e 40), Carlos Serafim, Godinho, o Prof. Fonseca e Costa, o Dr. António Marques (ex-Presidente da FPF), o Dr. Francisco Mega (filho de um dos grandes presidentes da história do Belenenses, com o mesmo nome, que exerceu o cargo mais anos do que qualquer outro: 1935-1938; 1939 a 1941 e 1950 a 1954), Dr. Carvalho Cardoso (Presidente do clube em 1965), Salustiano Lopes, o Coronel Luís Soares da Cunha (filho de Francisco Soares da Cunha, a grande alma da construção do Estádio do Restelo), Carlos do Carmo, Paço Bandeira, Francisco Nicholson…. Sem contar com aqueles que igualmente integravam a lista, como Manuel Bulhosa, o actual Presidente Sequeira Nunes, Mendes Pinto, Machado Rodrigues…

O grande Vasco, aliás, foi muito claro e expressivo: “ O clube vai ganhar e melhorar muito se Baptista da Silva for eleito. Desconheço Ferreira de Matos e não sei do que é capaz e da sua capacidade de trabalho. Pelo que vi na televisão, deduz-se com facilidade e nitidamente da superioridade do Baptista Silva”.

E quanto à lista que veio a ganhar? A sua estratégia baseou-se fundamentalmente no seguinte:

* Uma campanha popularucha, folclórica, tipo festa de bairro ou de aldeia;
* Uma aposta no porreirismo-contentinho-da-Silva, do género: é preciso é ser optimista, já ganhámos a próxima Taça, isto vai lá com uns sorrisos, umas cantigas, umas graçolas e umas caretas cómicas (como a da 1ª página do respectivo Jornal de Candidatura), cuidado com o bota abaixo, o discurso crítico é saudosista, passadista e quer prejudicar o clue, tenhamos pensamento positivo…;
* Uma manobra eleitoralista, que foi adiantar dinheiro para o Chiquinho não sair para o Estrela da Amadora (o que eu me permito duvidar que pudesse acontecer, mas enfim…), para o que o bom e realmente generoso do Major Ferreira de Matos dispôs de 4.000 contos, salvo erro. De resto, o Major Ferreira de Matos, pessoa de bem, foi completamente usado só para pôr dinheiro; e quando, depois das eleições, se percebeu que não dava mais (dinheiro), foi marginalizado e “interdito” pelos colegas de Direcção;
* A utilização de palavras mágicas da moda, que são papagueadas e seguidas acefalamente. Uma história que se repete sem cessar!... Na altura, a expressão mágica era o clube-EMPRESA. Interessava usar cada vez menos a palavra clube, substituindo-a por empresa: “O Chiquinho fica, porque eu na minha empresa quer os melhores”. Lema da lista e da Campanha: Desporto-Empresa-Espectáculo;
* A circulação oficiosa de que, numa base de restabelecimento de relações com o F.C.Porto, este nos emprestaria grandes jogadores e que o Benfica faria o mesmo, além de vir de lá o Chalana (que só conseguia jogar partes de meia dúzia de jogos no ano…) e, talvez, o Diamantino (também ele no ocaso da carreira). E claro, isto deu volta à cabeça a muitos (enquanto a outros, nomeadamente a mim, deu volta ao estômago, ao fígado, e a todas as entranhas possíveis);
* Um paradoxal, mas já então popular, discurso contra as promessas. Ou seja, a promessa de não fazer promessas…

E aqui permito-me intercalar algumas considerações que considero das mais importantes de toda esta série de artigos. Não nos devemos confundir com palavras. Quando Hitler e Mussolini assinaram o tristemente célebre Pacto do Aço, o seu artigo 1º dizia que era para “garantir a paz e a segurança na Europa”!!! E a história está cheia de exemplos semelhantes. Para mim, depois de muitos anos ter pensado no assunto, é-me completamente indiferente se os candidatos fazem promessas ou não. Em ambos os casos, podem ser estratégias. E, no fundo, de uma forma ou outra, há sempre promessas, mais espalhafatosas ou não. Agora o que me interessa, o que acho que nos deve interessar, é a consistência ou não do programa, das soluções propostas para resolver problemas, para andar para a frente e para cumprir promessas. Se me disserem: vamos daqui ao Porto em uma hora, eu não digo que sim ou que não. Quero saber como. Se me disserem, “vamos de bicicleta, que eu sou um ás do pedal”, penso: “coitado, este tipo não dá uma para caixa, é melhor esquecer”. Se me disserem “vamos de carro, sempre a acelerar, e conseguimos”, eu penso: “Eh lá, isto é perigoso! Não só não se chega lá em uma hora, como é bem capaz de dar um grande estampanço, com mortos e feridos”. Se me disserem “vamos de avião”, bem, então a coisa já parece mais séria. Mas ainda falta saber se os tais têm esse avião ou como é que o vão arranjar…

Deste modo, o importante não é se se fazem promessas ou não; o importante é ver se há (ou não) um programa que demonstre inteligência, QUALIDADE, capacidade, ambição, rigor, seriedade, acções articuladas, uma visão global e de futuro mas que tenha bem hierarquizados os sucessivos passos a dar, sem saltos no escuro. E, claro, que mostre que se conhece e se respeita a identidade do clube.

Para que não fique dúvidas de que a lista vencedora, que num ápice deixou o clube na 2ª divisão e com dívidas por todo o lado, depois de episódios deploráveis, e de anúncios patéticos e espectaculares, fez na sua campanha a CONDENAÇÃO DAS PROMESSAS, transcrevo da pág. 3 do Jornal de Candidatura, a qual tinha a sua sede na Rua Francisco José Vitorino, nº 8 R/C, em Linda-a-Velha o texto que virá a seguir, entre aspas. Guardei. Foi dito e está registado. Não estamos a falar à toa!

“PROMESSAS?

Dizem os mais avisados que de promessas está o mundo cheio! Prometer o Céu e a Terra, mundos e fundos, já não surpreende ninguém. Cumprir as promessas, levar as suas ideias até à sua concretização é que constitui o maior problema. Aquelas dizem respeito a sonhos realizáveis, possivelmente atingidos com algum esforço, porque, se o não exigir, também não são promessas que se façam nos nossos dias; as outras, as ‘tais’, essas, são do mundo do sonho fantástico, moram paredes meias com o inatingível, são megalómanas, feitas para adormecer meninos, encantar visionários, enganar consciências simples.

A megalomania é uma arma que alguns usam apontada aos incautos, indefesos, aqueles que não possuem o acesso à informação das possibilidades do clube e que não podem avaliar dificuldades.

Em época de campanha eleitoral passou a ser hábito, em Portugal, os clubes fazerem o anúncio de medidas eleitoralistas. Vale sempre mais, no jogo da caça ao voto, anunciar a contratação duma ‘estrela’ de futebol do que falar em medidas de fundo da valorização do clube, da sua organização ou do seu património. O que importa é o nome do ponta de lança que vai marcar vinte golos por época, do médio que vai resolver o problema do nosso meio campo, ou do treinador que, com novas tácticas e algumas ‘quimbandices’, nos vai oferecer vitórias todas as semanas.

Começa em época eleitoral, a busca incessante de estrelas a contratar. Movimentam-se os empresários que oferecem a sua mercadoria – algumas vezes gato por lebre – analisam-se vídeos, anunciam-se intenções e, para não falhar muito, enfiam-se alguns barretes. Mas a isto já o adepto da bola está habituado. Houve que estabelecer outras estratégias.

A eleição vai concorrida, os candidatos surgem a granel e os votos são cada vez mais apetecidos.

Não espanta, não nos espanta, não surpreende, que já se vá dizendo à boca cheia que o futuro do nosso clube passa pela venda dos terrenos do nosso Estádio para se fazer outro. Mais imponente, mais bonito (?), de maior capacidade, a uns quilómetros dali, lá para as zonas de Monsanto! É fartar vilanagem. Mas que eles não esqueçam que quando a promessa é grande, o Santo desconfia…e de promessas dessas estamos todos conversado”.

O mais caricato desta verborreia (na qual, no entanto, concordo totalmente que o importante não e se se contrata o jogador X ou Y), é que só houve uma pessoa que, na altura, falou vagamente da hipótese de um novo estádio, e essa pessoa era… da Lista A, que se fundiu com a candidatura de Ferreira Matos / Joaquim Cabrita (Lista C), dando origem à Lista D! Consideramos que não é preciso dizer mais nada…

Outro ponto curioso, e a não esquecer, é que foi também nesta lista que surgiu, como um dos Vice-Presidente, José António Matias. É que há erros que se desdobram em cascatas… Nem tudo no José António Matias foi mau, atenção. Ele tentou mexer um pouco na questão (então) muito estagnada do património. Não fez muito – nada que se compare, de muito longe que seja, com o feito pelo Engº Cabral Ferreira e actual Direcção! – mas sempre fez alguma coisa. E, claro, num clube em que se criou uma “cultura” de que o mau é normal, o medíocre é bom, e o assim-assim é fantástico e inatacável, o senhor foi-se projectando para chegar onde chegou e fazer o que fez… numa situação em que foi simultaneamente culpado e vítima! Mas enfim, não vamos entrar pela década de 90 adentro, visto que J.A.Matias só chega à Presidência em 94. Só quero dizer que não ponho em causa que na lista vencedora das eleições de Maio de 90 houvesse pessoas bem intencionadas e convictas de que iam fazer bem ao clube. Não discuto isso, que são questões subjectivas. Coisa diferente é os factos e resultados objectivos.

A única coisa boa que vi no programa da lista do Major Ferreira Matos / Joaquim Cabrita foi a ideia da criação de um Gabinete de Estudos e Projectos, algo que eu, pessoalmente, há muito defendia e defendo. Mas mesmo isso, considero quase irrelevante, pois eu penso o seguinte: Se alguém quer candidatar-se à Direcção de um clube com o peso que tem e DEVE ter o Belenenses, precisa primeiro, durante bastante tempo, ter reflectido maduramente, ter um programa muito sólido e bem elaborado, com projectos criativos relativamente às diversas áreas do clube e escalonados no tempo. E o tal Gabinete irá propondo outros possíveis projectos, nomeadamente face às novas realidades, problemas, desafios e oportunidades que sempre vão surgindo. Ora, o que se fez naquela candidatura foi algo de bem diferente: não há nenhum projecto consistente e com nível mas crie-se um GEP, que talvez acabe por escorrer da cabeça de alguém uma ideia válida…

Face a tudo isto, sentia-se, no Restelo, que a balança ia pender para a lista D (aliás com a já referida e inqualificável ajuda do jornal oficial do clube). Mas ainda havia uma hipótese de inverter a situação: o debate televisivo entre os dois candidatos que chegaram ao fim, os Majores Baptista da Silva e Ferreira Matos.

Infelizmente, o debate foi um espectáculo triste e confrangedor. O Major Ferreira Matos durante todo o tempo repetiu incessantemente 3 frases: “Não vamos começar a dizer mal…”, “é preciso é confiança e optimismo”, “Numa reunião em que o senhor esteve presente com mais 20 sócios, ficou decidido que eu iria ser o Presidente do Belenenses, por isso tem que ser!”.

E face a isto, Baptista da Silva quase não consegui acabar uma frase para explanar uma ideia. Exemplo: visto que tínhamos passado às meias-finais da Taça, Baptista da Silva começou uma frase dizendo “Se o Belenenses ganhar a Taça de Portugal…” e ia a expor a ideia. Mas não conseguiu, pois logo F.Matos interrompeu: “Mas não tenha dúvida de que ganhamos. Nós estamos a 180 minutos de ganhar!…”. B. da Silva tentava novamente explicar e logo tornava F.Matos “mas não diga ‘se’. Temos que ser optimistas. A vitória está certa. Eu tenho pensamento positivo e assim ganhamos!” (Ironicamente, estávamos a ganhar a meia-final, até ele aterrar no Estádio do Restelo, como já disse em outros artigos). Outro exemplo: Baptista da Silva dizia “Não podem acontecer situações como…” e logo F.Matos interrompia ”mas não vamos começar a dizer mal…”. E foi todo o tempo assim!

Aproveito para esclarecer o seguinte: no meu entendimento, o optimismo e a confiança são coisas muito saudáveis mas depois e não antes de se ter feito tudo o possível, não regateando qualquer esforço, para que as coisas corram bem. Caso contrário, é um mero chavão, uma atitude comodista ou uma panaceia usada por quem não sabe fazer melhor.

Em consequência do que temos descrito, os resultados foram estes:

Lista B – 5.491 votos 43, 2%
Lista D – 7142 votos 56,2%
Nulos - 49 votos 0, 4%
Brancos – 22 votos 0,2%

Note-se que só votaram cerca de 4.000 sócios, pelo que aquelas quantidades resultam dos diferentes números de votos a que cada sócio tem direito, atendendo à respectiva antiguidade.

E assim, a lista que se apresentou com o lema Desporto – Empresa – Espectáculo ganhou as eleições, por vontade maioritária dos sócios votantes. E bem rapidamente se veria a execução do lema. Desporto? No futebol, queda na 2ª Divisão! Empresa? O clube ficou numa situação financeira calamitosa! Espectáculo? Sim, grande mas triste espectáculo o da série inacreditável de asneiras e de episódios rocambolescos que se sucederam uns aos outros em 7 meses surrealistas que deixaram o clube exangue… e lhe tiraram quase tudo o que restava de esperança de o devolver à grandeza dos seus tempos áureos.
Será com muita tristeza que, no próximo artigo descreveremos o que foi esse período e as tristes consequências da escolha eleitoral.


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