segunda-feira, junho 12, 2006
A Regra Inquestionável
Artigo de Homero Serpa publicado em A Bola de 11/06/2006;
Os clubes que entram nos campeonatos aceitam, implicitamente, as regras do futebol, têm de lhes ser fieis e proceder sob as suas filosofias. Uma dessas regras condena o clube, como condenaria uma Associação ou a Federação e também a Liga, a recorrer aos tribunais comuns em qualquer caso e seja em que circunstância for. Trata-se de uma determinação incorrecta do ponto de vista constitucional? Trata-se de uma regra imposta por uma espécie de idionomia intransigente, imiscível com a justiça dos países? Pode ser tudo quanto os senhores quiserem, mas é uma regra oficial do futebol em todo o planeta, que os clubes conhecem e se não conhecem deviam conhecer, por isso o recurso aos tribunais por parte do Gil Vicente, no caso Mateus, empolado, efabulado, sei lá que mais, só por si basta para indicar o clube como réu de um processo fácil de avaliar e de julgar pelas instâncias do nosso futebol, bastando para isso apoiar-se na tal regra. Se a justiça da Federação quiser ir mais longe, neste processo, tem pano para mangas, até pode considerar que os dirigentes do clube nortenho, na defesa das suas intenções, percorreram caminhos ávios e por eles chegaram à inscrição do jogador Mateus, vítima de toda esta embrulhada e que parece colocado à margem das preocupações de toda a gente, conclusões que se tiram dos testemunhos de dirigentes do Lixa e do Casa Pia, por exemplo. Na verdade, foi através de uma artimanha com rosto legal que o Gil Vicente inscreveu o jogador Mateus, levantando os protestos do Vitória de Setúbal e da Associação Académica de Coimbra.
Mas, sobre tudo isso, sobre essa engenharia bizantina, sobre a influência que teve na competição um jogador inscrito em circunstâncias «especiais», está o desrespeito pelo célebre artigo 63º do regulamento da FIFA. É um facto, é alógico e obviamente decisivo. Certo organismo do futebol, ao dispensarem o prevaricador das suas obrigações através de uma surpreendente cambalhota que os classifica com o funâmbulos imperfeitos, abriram precedentes perigosíssimos. Falando no Belenenses, parte interessada no momentoso assunto, seria de admitir que colocasse acções contra autores de factos que muito o prejudicaram, como a arbitragem do jogo com o Benfica no Restelo que perdoou ao Benfica três grandes penalidades, coisa que devia entrar no livro dos recordes, dizendo do Braga, lembro o golo de um adversário alcançado depois de a bola ter estado fora do campo. Enfim, dois exemplos de um mundo de irregularidades que habitam a face escura da Lua. Vejam os leitores como as coisas se cozinham cá na terra, como as decisões podem alterar-se a fim de transformarem o branco em negro, podendo nós calcular como essa alteração foi conseguida através das reacções que «A Bola», hoje, publica. Num país que não gosta tanto do futebol como de ganhar, e esta tendência absurda até se manifesta nas votações político-partidárias, a inamissibilidade não merece discussão, por isso, na órbita do grande jogo giram interesses de toda a ordem e poucos terão a libertá-los de uma imagem pouco icástica a pudicícia, teoricamente exigida, pelo menos pelos cidadãos civilizados e que, por principio moral, contestam as fórmulas made in Portugal que faz do país uma terra pequena onde qualquer indivíduo pode ser desviado das suas obrigações e compromissos assumidos com a imparcialidade. Numa terra pequena, crescem os pigmeus que não sabem, evidentemente, esgrimir com os homens e se refugiam nos coiquinhos provincianos. Acho que as regras do futebol, desde que aceites por todos os intervenientes do chamado jogo das multidões, têm força de lei, uma lei interna, uma espécie de regulamento assente na lealdade e honradez das pessoas, mas regra inultrapassável, portanto inquestionável. A FIFA, muito atenta a este caso português, instituiu-a, cabe à sua filiada, Federação Portuguesa de Futebol, defende-la dos desvios intencionais ou apenas levianos. Se a regra parece extemporânea, antidemocrática, prepotente, uma esquírola venéfica cravada nas sociedades, então há que promover reuniões entre as entidades máximas do futebol e os governos de todos os países do planeta futebolísitico, à procura de uma solução consensual. Assim, enquanto funcionar como lei do sistema, tem de ser acatada pelos clubes e não submergida por manobras de diversão mais ou menos despicientes, susceptíveis de desenvolverem situações anárquicas. É claro que o caso não termina na conclusão inexplicável da Liga, no esquisito volte face que a votação agora nos trás e que terá de ser explicada aos desportistas portugueses para que estes, mais uma vez, entendam que os bastidores do seu desporto favorito consentem estas pachouchadas que dariam vontade de rir se não provocassem vómitos. Em Itália, combate-se a mafia, os resultados combinados, defendendo-se o prestígio do futebol, mas estamos a falar em diferença de civilizações, por esta periferia, o brequefaste continua e por esta e por outras é que havemos de ser sempre um país pouco considerado, o comediante da Europa.
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