Artigo da autoria de Carlos Gustavo Benavente
Cada um faz o que pode. Cada um pode o que quer. O tempo vai-nos tornando cada vez mais imperfeitos. Recordo-me de um puto, de cruz ao peito, que fazia defesas em dias pares e tentava esconjurar frangos em dias ímpares. Até ao dia em que deixou de o fazer, porque já não queria poder. Pôde pelo menos ser honesto consigo próprio. Uma loucura.
Ao que parece, o poder no princípio desta semana começou por ser justo com o meu clube. Não havia grandes dúvidas, aliás. Um jogador de uma selecção finalista do mundial de futebol tinha sido contratado como amador por um clube profissional de futebol, do escalão maior Português, alegando ter como profissão a de contínuo na fábrica do presidente do seu anterior clube. Tudo normal, portanto.
Após jogar meia dúzia de jogos na tal divisão principal do futebol português, alguem do clube, resolvendo ler com atenção os regulamentos, verificou que a utilização do referido contínuo nas peladinhas lusitanas condenava o seu clube á descida de divisão automaticamente. A solução foi, como são sempre todas as boas soluções, simples. O contínuo deixou de jogar.
Há como é óbvio o reconhecimento implícito do contínuo em causa ter jogado quando não devia. Por outro lado, há tambem a inegável participação do contínuo em meia duzia de peladinhas oficiais, mais os dois golos que marcou, decisivos aliás para os resultados alcançados nos referidos jogos. Após a paragem, certamente que este contínuo continuou na fábrica do Presidente do seu antigo clube, á espera de ser chamado, com normalidade, pelo seu país, para ir jogar umas peladinhas de verão na Alemanha.
Ao que parece, ontem houve outra votação. Parece que desta vez votou mais um senhor. Parece ainda que o senhor em causa é filho de um Vice-Presidente do clube amigo dos contínuos com jeito para o futebol. Parece ainda que com esta decisão, o “orgão” que a tomou, desapareceu. Dois dos membros do referido “orgão” pediram a demissão por certamente não concordarem com a inclusão de contínuos em jogos entre profissionais de futebol, e mais importante, por tal regra estar declarada nos regulamentos da competição. Que raio, se no poker podemos ir buscar cartas, não nos limitando ás que a sorte nos ofereceu da primeira vez… e se ninguem reparar até podemos ir buscar uma cartinha extra á nossa manga, porque não se podem refazer votações sobre assuntos anteriormente votados com votos extra? Tudo normal portanto. Lamento o desaparecimento do “orgão” em causa.
Por falar em desaparecimento, há por aí um personagem, especialista em presidencias de “orgãos”, que dá pelo nome de Dr. Gilberto, que desapareceu do país no hiato entre a primeira e segunda votações acima abordadas. Felizmente para todos nós, e muito principalmente para ele, julgo que apareceu na Alemanha, para assistir com a pompa que é devida ao seu estatuto a umas peladinhas que vão lá fazer durante este mês. Curiosamente, tenho que para o meu clube, mais importante do que o seu desaparecimento fisico do país, é talvez o recente desaparecimento dos cabelos grisalhos do Dr. Gilberto, sendo substituídos por farta e ruiva cabeleira. Com normalidade, o Dr., sendo especialista em presidir a “orgãos”, ligará possivelmente mais á forma que ao conteúdo das coisas, porventura com a intenção de se “sacrificar” por muitos e bons anos na presidencia de quaisquer “orgãos” que á frente lhe apareçam. No fundo, pode-se definir esta ilustre personagem como um “esteta”. Parece que o aspecto ruivo de alguem grisalho só impressiona os poderosos estrangeiros reunidos á volta das peladinhas na Alemanha, enquanto o Dr. em causa se esforçar para que os seus “orgãos” cumpram as leis que regem as peladinhas profissionais. Misturando culinária com agricultura, apertem os pasteis os tomates á cenoura, e veremos se esta não mexe o seu cuzinho para salvaguardar a boa impressão que causa perante os seus estrangeiros pares… restaurador Olex e tintas Pantene incluídas, claro.
Parece que a direcção do meu clube reuniu ontem, após saber dos resultados da fatídica segunda votação. A direcção pode fazer muita coisa nesta altura crítica para tantos. Não espero menos aliás que uma viagem do nosso Presidente á Alemanha, onde actuam os contínuos nas peladinhas de verão 2006, ANTES da nossa selecção jogar o primeiro jogo, curiosamente contra a selecção onde milita o contínuo em causa neste caso, aparecendo em Marienfeld e exigindo uma audiencia urgente com algum estrangeiro importante no veto de presidencias de diversos “orgãos” locais. Espero claro, que antes disso o nosso Presidente organize em territorio luso uma conferencia de imprensa onde categoricamente diga que vai impedir a selecção nacional de participar no mundial. E mostre o artigo internacional que traduz essa sanção aplicável quando “orgãos” nacionais jogam ao poker com cartas na manga. Chama-se a isto a diferença entre o grisalho e o novo ruivo.
Acredito eu por um minuto que a nossa selecção seja impedida de jogar o Mundial? Claro que não, mas na sociedade “esteta” em que vivemos, o normal é a comunicação social só dar primeiras páginas á loucura instituída. Aliás, um fax para a Reuters e para a AP são certamente outras acções a realizar. Ter impacto internacional, mesmo que pequeno é naturalmente muito relevante.
Temo no entanto que esperar uma decisão enérgica da direcção do meu clube é o mesmo que ficar á espera de Godot. Temo que o querer não poder seja mais forte que o fazer. Temo ainda que se recorra a todas as cartas na manga para se fingir que se quis. A normalidade, portanto.
Qual passe mágico de um Maradona que já foi profissional mas regressou a amador, é nesta triste geometria que se desenha a matemática intercepção entre Samuel Beckett e Arno Gruen.
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