Artigo da autoria de Eduardo Torres
Sou do Belenenses por tantas razões, que seria difícil enumerar todas. E mesmo que as descrevesse todas, haveria sempre algo mais, quase indefinível, que sintetiza tudo: um sentimento arreigado “cá dentro”, que é uma parte de mim mesmo de que me não posso apartar. Sim, é um sentimento tão entranhado, tão visceral, que sei que nunca poderia ser de um outro clube, por uma incompatibilidade natural que é o reverso exacto da minha adesão natural a ser belenenses.
No entanto, vou procurar razões mais objectivas. Antes de tudo, sou do Belenenses por que o meu pai era do Belenenses. E nunca poderia ter para com ele a deslealdade de não ser do Belenenses. Acho que outros, como eu, compreenderão o que isto significa; e esse significado também faz parte da alma belenense, que nos agrega. Tenho, relativamente ao meu pai, muitas opiniões e maneiras de ver o mundo bem diferentes; mas, em ser belenenses, eu continuo-o sem discussão nem alternativa, porque é assim mesmo, porque é da natureza das coisas, porque faz parte do amor que lhe tenho. Ainda hoje, tendo o meu pai morrido há quase 15 anos, lhe digo como se estivesse ao meu lado: “O nosso Belenenses…”. É algo que estava nele, que se transmitiu para mim, que continua no meu filho e que, assim o espero, se perpetuará ainda além…
Depois, consolidaram em mim o ser belenense as histórias da História do Belenenses que ouvi do meu pai e que sorvi de tudo quanto podia – jornais, livros, revistas. È uma história de resistência, de sofrimento, de contínua luta contra a adversidade, de glórias sempre arrancadas com sangue, suor e lágrimas. Como outrora se escreveu. “Quando Belém acaba um jogo há sempre lágrimas…”. Talvez, de algum modo, a paixão que provocava essas lágrimas tenha arrefecido – ou é apenas o calejamento que desenvolvemos para aguentar tantas desilusões e arrelias?
Aprendi, nesses relatos, com que amor apaixonado os heróis do Belenenses amaram o seu clube. E com eles me inebriei e deles enchi a minha alma - e é também por isso que não posso, não quero, não quereria nem poderia ser outra coisa que não do Belenenses. É ainda por isso que tento ajudar a transmitir e a perpetuar o que vi, ouvi e li, para que se não perca e, se possível for, inflame noutros a mesma paixão.
Sou do Belenenses, ainda, por causa das crianças, que também já fui uma delas, que têm a delicadeza e a coragem de ser do belenenses; que preferem esse sentimento profundo a entregar o seu ânimo a clubes que lhes dariam mais vitórias e alegrias mais imediatas; que persistem no seu sentimento, que neles mais se indigna e revolta, quando lhes perguntam: “És do Benfica ou do Sporting?”. Nós somos diferentes, de uma maneira que só podem entender os que são como nós: somos do Belenenses! E ainda bem que não temos a lata, a arrogância, a prepotência e o descaramento de outros!
Para esses jovens, também, quero legar os meios de defesa que o meu pai me deixou e que sempre me permitiram ter resposta quando adeptos de outros clubes queriam ridicularizar o Belenenses. Desejo que também eles tenham argumentos e factos para responder, não apenas que cada um tem o direito a ter os amores que lhe são próprios, e que se todos fossem dos mesmos, nenhuma graça teria o mundo; mas, também, que a história do desporto não começou há 2 dias, que o Belenenses rivalizou bravamente com esses outros clubes de que toda a gente fala, e que a sua história está igualmente cheia de glória – e além disso, de episódios de beleza ímpar.
Sou do Belenenses, outrossim, por causa dos velhos azuis que permaneceram belenenses contra ventos e marés, que são “pastéis” ainda há mais tempo do que eu, que não mudaram nem desistiram quando os ares da fortuna se tornaram adversos ou quando ser belenense se tornou cada vez mais difícil. Quero, muito, ver o Belenenses campeão; mas quero-o ainda mais pelos respeitáveis anciãos que, mais que todos, merecem essa alegria, que sarará as suas sofridas e consolará tantas humilhações (por acção ou omissão) que suportaram ao longo de anos e anos.
Sou do Belenenses, porque adoro o azul. Desde que me conheço que o azul me encanta. Ainda me lembro do azul intensíssimo de um berlinde azul que tinha quando era miúdo, ou de um anúncio televisivo da Blaupunkt (“Ponto Azul”) também na minha meninice, ou do céu azul estrelado da minha costela provinciana. E, assim, adoro o azul do nosso estádio, com o Tejo também azul, lá em baixo, com o céu, também azul, lá em cima, adoro e comovo-me e arrepio-me e empolgo-me com as cores das nossas camisolas.
Depois, sou do Belenenses, porque tenho uma inexplicável atracção pelas causas perdidas, ou antes, pelas causas muito difíceis. O Belenenses dá-nos poucas alegrias; mas, quando dá…são alegrias incomparáveis! Alegrias que adeptos de clubes que ganham com muito mais frequência ou de clubes novos-ricos, sem uma alma como a nossa, não podem entender… acho eu!
E, colado isto, vai o toque trágico de que a história do Belenenses está permeada desde sempre. A morte do Pepe, a doença do Amaro, o acidente do Vicente, o fim da carreira do Carlos Serafim, o campeonato perdido a 4 minutos do fim (caso único em Portugal ou quem qualquer lugar que eu conheça), a “expulsão” das belas Salésias por causa de um plano de urbanização que nunca se realizou, os bolsos vazios com a construção do Restelo depois de tudo o que se investira na Salésias, o estádio em nome da Câmara, as taças encaixotadas na rua, termos que pagar para jogar no estádio construído com dinheiro e suor belenenses, dezenas e dezenas de milhares de assinaturas (mais de 50.000 só no Brasil) “obrigando” a que nos fosse devolvido, a descida à 2ª Divisão no meio da miséria, os dois golos sofridos em Barcelona em tempo de descontos, a luta permanente para recomeçar de novo…
E, por tudo isto, e por muito mais que não sei dizer, é tão difícil e sofrido, mas tão belo e grandioso, ser-se do Belenenses!
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