quarta-feira, junho 23, 2004

A Década de 80 - Parte II - Grandes Esperanças



Na época de 85-86 fomos à final da Taça, perdendo 2-0 com o Benfica, no dia 27 de Abril, em jogo que podíamos ter resolvido logo nos primeiros 10 minutos, pois perdemos 3 oportunidades flagrantes (fui ver o jogo com 38,5 de febre. Depois... 15 dias de cama!). Nos quartos de final, havíamos eliminado o Chaves, com uma vitória épica em Chaves, no desempate por penaltys, em jogo de repetição. Na meia-final, ganhámos por 2-0 ao Braga (apesar de falharmos a transformação de um penalty, quando havia 1-0). Foi uma 4ª feira à tarde e, por isso, não estava muita gente - talvez umas 10.000 pessoas, no máximo. Como não somos facciosos a ponto de pensar que somos sempre vítimas, gostava de referir uma atitude muito feia de um jogador nosso, um espanhol cujo nome não recordo, que agrediu violenta e gratuitamente um jogador do Braga, com o jogo mesmo a terminar, e com a bola bem longe de qualquer baliza. Com dignidade, muitos adeptos do Belenenses não esconderam a sua reprovação.

Dias depois da meia-final, e 3 semanas antes da final, recebemos o Benfica no Restelo. Grande assistência, creio que perto de 35.000 pessoas. De certo modo, por estranho que pareça, ao Belenenses convinha que o Benfica ganhasse… Explico: se os “encarnados” ganhassem o campeonato, nós ficávamos automaticamente qualificados para a Taça das Taças. No entanto, o Belenenses não facilitou e actuou com toda a dignidade, perdendo por 1-0, já perto do fim, depois de uma boa exibição. Na jornada seguinte, a penúltima, o Benfica perdeu com o Sporting e o título foi para o F.C.Porto. Lá se foi a nossa qualificação directa para a Taça das Taças… E depois, como já disse, lá se foi a vitória na Taça de Portugal.

Não obstante, foi uma época que nos reacendeu a esperança de ver o Belenenses a realizar feitos notáveis. Perdemos a final da Taça… mas estivemos lá; o campeonato não foi brilhante, a meio chegou mesmo a ser medíocre… mas melhorou com a vinda do técnico Henry Depireux e fomos subindo até acabar em 6º lugar; e, como sinal de que se estava a construir uma equipa, entre os 22 jogadores convocados para o Mundial no México, havia 3 belenenses: Jorge Martins, José António e Sobrinho.

Por isso, a época de 86/87, de novo com Depireux a treinador, iniciou-se com grande entusiasmo e excelente futebol; e, após muitas peripécias, culminou, enfim, no regresso às competições europeias. Chegaram jogadores que se tornaram referências, como Mapuata e, sobretudo, o internacional búlgaro Mladenov. Ao mesmo tempo, deu lugar a algumas grandes, enormes assistências no Estádio do Restelo, nomeadamente contra o F.C.Porto, o Benfica e o Sporting.

Andámos várias jornadas em 1º lugar. À 8ª jornada, quando recebemos o F.C. Porto, tínhamos 6 vitórias e só 1 derrota (contra o Boavista, em jogo em que muito se falou de boavisteiros dopados...), 17 golos marcados e 5 sofridos.

À 6ª jornada, recebemos o Sporting. Se ganhássemos, passávamos para 1º, e foi isso mesmo que aconteceu. Devem ter ficado só umas dezenas de bilhetes para vender. (Descontando os sócios, crianças não pagantes, convidados e borlistas, venderam-se 25.144 bilhetes, segundo um registo da época, que conservei. No total, estiveram presentes, no mínimo, umas 40.000 pessoas). Foi talvez uma das 5 maiores assistência que já vi no Restelo (embora, infelizmente, uns 2/3 fossem lagartos). O Sporting entrou em força e andámos 20 minutos "aos papéis”, como se costuma dizer. Mas, de repente, o Mapuata arrasa o centro da defesa do Sporting e faz 1-0! Ainda sofremos até ao intervalo e nos primeiros 5 minutos da 2ª (altura em que se verificou uma incrível defesa de Jorge Martins). A partir daí, o jogo foi todo nosso. Por volta dos 15/20minutos, Mladenov, a 30 metros da baliza, depois de bela combinação com Jaime, arranca um remate espantoso e faz um golo monumental, daqueles que não se esquecem: 2-0! Até ao final do jogo, dominámos à vontade e ainda perdemos várias oportunidades. Era a primeira vitória sobre os nossos velhos rivais desde o regresso à 1ª Divisão, e isso deu-nos uma grande alegria. Mladenov foi sublime e, no dia seguinte, um jornal desportivo, em apreciação aos nossos jogadores, titulava: “Mladenov: O Restelo a seus pés”!

(Para não nos iludirmos, gostava de relatar o seguinte: ao sair do estádio, cruzei-me com 2 adeptos, um com cachecol do Sporting, outro do Benfica. O do Benfica também ia bastante insatisfeito. Dizia: "Espero que este ano não tenhamos os pastéis de nata a chatear”) ...

Também na 2ªf seguinte, os jornais anunciavam a muito provável contratação de um titular da selecção brasileira: Alemão. Seria o nº 10 que o técnico pedia. Sentíamo-nos nas nuvens (O Benfica também cobiçava o Alemão e ele acabou por não vir para Portugal).


Depois, à 8ª jornada, o jogo contra o Porto. Outra grande assistência, só um pouco menor que contra o Sporting mas com mais Belenenses presentes. Talvez uma das maiores enchentes nos sectores dos sócios. Quanto aos não sócios (e não borlistas, nem crianças, nem convidados…), venderam-se 21.495 bilhetes. Chegámos ao estádio com grande antecedência e uma enorme expectativa. Tremíamos de entusiasmo. De repente, o nosso Belém parecia outra vez assumir-se como um dos 4 grandes, como nos velhos tempos... Só que o Porto tinha uma equipa fabulosa (foi campeão europeu nessa época), o Futre fez uma exibição do outro mundo (e sempre que caía, mesmo sem ninguém lhe tocar, era falta...), o André, idem, e aos 17 ou 20m, estávamos a perder 1-0. Ainda reagimos bem, podíamos ter empatado (lembro-me de uma excelente jogada de Teixeira, que fintou 4 ou 5 portistas e quase marcou) mas, na 2º parte, “eles” arrumaram o jogo: 3-0!

A partir daí, as coisas já não correram tão bem e acho que nunca houve uma época em que os árbitros nos “lixassem” tanto. Foi a época em que perdemos 2 pontos na secretaria contra o Marítimo; em que num jogo contra o Boavista, o Mladenov ia isolado na área e o árbitro dá o jogo por terminado (depois de nos sonegar dois penaltys escandalosos). E muitas outras coisas... talvez porque, muito antes de outros, o treinador Depireux foi (que me lembre) o primeiro a falar em sistema. Pouco depois de chegar a Portugal, constatando com surpresa que desde há 40 anos eram sempre os mesmos 3 clubes a ganhar os campeonatos, exclamou: “Alguma coisa está errada. O sistema tem que estar viciado!”. Acho que pagámos caro o seu desassombro e a sua frontalidade. Mas mesmo assim...

Mesmo assim, voltámos a conquistar o direito de disputar as competições europeias, no caso, a Taça UEFA, o que não acontecia há longos 11 anos. Esse objectivo ficou garantido no penúltimo jogo, com uma excelente vitória por 3-2 em Guimarães mas estava já bem encaminhado desde a jornada anterior, em que recebemos o Benfica no Estádio do Restelo (por essa altura, o grande Matateu esteve em Lisboa, para nossa grande alegria).

Foi outra grande “Casa”: 40.000 espectadores ou talvez mais (Note-se que, na altura, sem cadeiras, e com a bancada do lado do rio “habitada”, a lotação do Estádio do Restelo era de 42.000 lugares). A Superior rebentava pelas costuras. É claro que havia uma maioria de lampiões mas de qualquer modo estavam presentes muitos beléns. Muitos, mesmo!

Era um jogo quase decisivo para as duas equipas e o empate final, por 1-1, serviu a ambas (nós chegámos à Europa, eles ao título) O Benfica marcou primeiro, no início da 2ª parte: o Murça atrasou para o nosso Guarda-Redes mas o vento forte e caprichoso colocou a bola ao alcance de um jogador “deles”. Reagimos muito bem e, a uns 15 minutos do fim, foi reposta a igualdade: remate de longe do Guina (um médio brasileiro contratado a meio da época), o Guarda-Redes benfiquista só consegue sacudir a bola, e Mapuata surge como um furacão a atirar lá para dentro. Que grande salto que eu dei! Com 5/6 avançados, ainda perdemos várias ocasiões. Foi um jogo de grande intensidade, muitíssimo bem disputado de parte a parte. Se não me engano, o Belenenses apresentou a seguinte equipa: Jorge Martins; Murça (depois, Silvério), José António, Sobrinho e Artur; Teixeira, Hilário (depois, Djão) e Guina; Jaime, Mapuata e Mladenov.
Às vezes há coisas que, não sabemos porquê, nunca mais esquecemos. Quando o Belém entrou em campo, e depois do clamor dos nossos aplausos amainar, um senhor ao meu lado gritou de modo especial e vibrante: Viva o Belenenses!!! Não o conhecia, nem me lembro já do seu rosto; mas, sei lá porquê, o grito tenho-o sulcado na memória e ainda agora me arrepia, comove e arrebata. Aquele grito parece-me simbolizar 85 anos de Belenenses. Não era um apoio àqueles 11 jogadores mas ao nosso "Belenenses eterno". VIVA O BELENENSES, sempre, sempre, sempre!

(Artigo da autoria de Eduardo Torres, com continuação na próxima semana.)


Site Oficial do Belenenses

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