quinta-feira, junho 24, 2004

Mauro

(Artigo da autoria de Eduardo Torres)

Por vezes, nestes blogs, a título de brincadeira, têm sido feitos alguns comentários menos agradáveis sobre o Mauro, manifestando-se grande satisfação por ele se ir embora.

Peço desculpa de dizer isto mas acho que nos devíamos abster desses comentários que, sendo brincadeiras sem nenhuma má intenção (tenho a certeza) podem, não obstante, feri-lo desnecessaria e imerecidamente se, porventura, chegarem ao conhecimento do jogador – o que não é impossível, antes pelo contrário.

Que eu me lembre, desde os tempos do Godinho e do Quaresma, já lá vai mais de um quarto de século, que nenhum jogador afirmou tão categoricamente a sua paixão pelo Belenenses como o Mauro. Aliás, repito, desde os tempos dos jogadores atrás referidos, não me lembro de nenhum que, quando fala sobre isso, não diga que é do Benfica, do Sporting, do Porto ou do clube da sua Terra – do Belenenses, nunca! Quando muito, alguns dizem: “acabei por me sentir também do Belenenses”. Até um Pietra, nascido, crescido e atirado para a fama em Belém, lá foi para o Benfica e, pelo que leio, nessa órbita permanece. No clube de fãs do Benfica, no livro de ouro do Benfica – não no nosso. Por isso, não consigo dizer mal do Mauro, não consigo deixar de ter por ele um carinho especial. Digo mais: se o Rodolfo Lima vier emprestado para o Belenenses, e marcar 30 golos na próxima época, eu terei sempre mais carinho por um jogador que disse, alto e bom som “o Belenenses é o meu clube” do que por um outro que, pelos vistos, não viu em nós mais que um sítio para rodar, com o inconveniente de não ser perto de casa. Pode parecer estúpido mas é a minha maneira de ser. E não sei ser do Belenenses de outra maneira...

É claro que a sua prestação no Belenenses ficou muito aquém das expectativas; é claro que ele não se consegui impor no Restelo; e é claro que não o podemos conservar no plantel só pelo sentimentalismo de ele ser do Belenenses. Se não, também nós todos lá estaríamos...

Mas, que eu saiba, ele fez o melhor possível; não violou os seus deveres profissionais; não teve nenhuma atitude desrespeitosa para com o clube, treinadores, dirigentes ou adeptos. Podemos achar que o seu ordenado é alto face ao seu rendimento mas foi aquilo que o clube livremente acordou. Ele não é nenhum ladrão, portanto.

Às vezes as “pequenas coisas” que nos parecem insignificantes podem ser importantes. É bem possível que o Mauro, mais tarde, se estabeleça em Angola. E, filho de um jogador do Belenenses, aliás de qualidade, o Laurindo, se ele sentir que foi bem tratado aqui, mesmo e especialmente na hora da saída, não estará mais disposto a ser um foco difusor de belenensismo naquelas paragens? Não será mais facil e convictamente um porta-bandeira de uma predisposição favorável ao Belenenses, que nos pode granjear vantagens (por exemplo, em futuras contratações de angolanos)? E, saindo humilhado, não tenderá, como é natural, a fazer exactamente o contrário?

No entanto, antes mesmo dessas razões, julgo que temos o dever de tratar com consideração quem espontaneamente mostrou consideração e sentimento pelo nosso clube - que é, também, o dele. E se o Belenenses é o clube do seu coração, então, ele é também um dos nossos, um de “nós” ainda que não como jogador.

Temos que tratar bem que nos trata bem, quem nos engrandece ou nos respeita. Nem sempre o fizemos. O Matateu saiu para o Atlético, apesar da luta do Acácio Rosa, por caprichos de treinador e falta... não sei de quê dos dirigentes que o não souberam manter, que o dispensaram!... Sim, dispensaram, sem mais nem ontem, o grande, o único, o incomparável, o tão nosso Matateu!!! E ele acabou por ir viver para o Canadá, quando deveria ter ficado sempre em Belém, como o nosso maior futebolista de todos os tempos. E nunca mais haverá outro Matateu... De igual modo José Pereira, o nosso “Pássaro Azul”, saiu do Restelo triste, porque não se lhe perdoou que ele tivesse uma época má... apenas um ano depois de ser titular no Mundial de 66! O Quaresma, que sentia a camisola, saiu do clube como se fora uma coisa qualquer, como se ele não tivesse suado briosamente aquela camisola durante quase 20 anos... São erros que não podemos, não devemos repetir! Ser do Belenenses, para mim, é também ser grato! É sentir que cada belenense, não importa quais sejam as suas limitações, é igualmente um dos nossos, um dos que, à sua maneira, partilha connosco o amor pelo mesmo clube.

Talvez isto seja um sentimentalismo anacrónico mas é o que eu penso e o que tinha vontade de dizer.

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