terça-feira, junho 22, 2004

Perfis

(Artigo da autoria de Eduardo Torres)

Procuraremos expressar neste texto quais são, a nosso ver, os perfis mais indicados para treinadores e jogadores a contratar para o Belenenses, acrescentando também algo de semelhante no que respeita aos dirigentes.

Repare-se que não estamos aqui no plano imediato de entrar na discussão de se esta época devíamos contratar (ou não) e dispensar (ou não) os jogadores X, Y ou Z mas sim de vermos o perfil desejável, ou seja, aquilo que devemos procurar defender as nossas cores.

Teremos evidentemente em conta não apenas o que é desejável mas também o que é possível. Se fosse só buscar o desejável, as coisas seriam mais simples… E, aqui, tentaremos situar-nos nas possibilidades para o futuro próximo, digamos, para a próxima época e para as duas seguintes. Entretanto, as possibilidades do Belenenses e as circunstâncias do mundo à nossa volta terão mudado, e o que hoje é acertado, desejável e possível pode já não o ser amanhã. Repare-se que há década e meia atrás, o Belenenses podia ir buscar um jogador como o Mladenov. Hoje, tal seria impossível, pois o panorama futebolístico mundial alterou-se muitíssimo.

Mas vamos então aos perfis e comecemos pelos TREINADORES

Face ao status quo do futebol português, a que a pressão dos meios de comunicação social não é alheia, antes o reforça, e que se caracteriza pelo domínio de uma oligarquia de três clubes (com os quais o Belenenses já ombreou mas de que se foi afastando), eu entendo que há duas opções desejáveis para treinar a equipa de futebol do Belenenses:

Hipótese A): Um treinador estrangeiro, contratado o mais cedo possível para melhor se identificar com o futebol português – de qualquer modo hoje o futebol é, cada vez mais, uma realidade universal e essa identificação não é nenhum bicho de sete cabeças – e que tenha a independência, a força e a coragem de se “borrifar” para os manda-chuvas do futebol português, não entrar na conversa e no circuito dos mil vezes cantados “três grandes” e da imprensa e outros poderes ao seu serviço, e jogar corajosamente para ganhar, sem complexos de inferioridade. A solução que nos ocorre imediatamente é a de um treinador brasileiro, até pela questão da língua; mas há outras boas opções em diversos países em que há uma grande rotatividade de equipas a lutar pelos lugares cimeiros.

Repare-se nos últimos 30 anos do futebol azul. Quem foram os treinadores com quem se deram passos em frente? Zézé Moreira, Alejandro Scopelli (“isso”, infelizmente, já não há…), Depireux, Marinho Peres, tudo treinadores estrangeiros… Entretanto, falharam Inácio, Manuel José, Artur Jorge (…), Juca, José Romão, o próprio Mário Wilson…

Hipótese B): Um treinador português que, tendo já prestado boas provas em clubes de 2ª linha, se mostre ambicioso e com vontade de construir uma carreira de sucesso, com base em muito trabalho, exigência e métodos de treino e de apuro táctico rigorosos.

Pelo exposto, o que devemos claramente excluir são treinadores portugueses que já estejam satisfeitos e conformados com o seu estatuto e que vejam o Belenenses como um clube que, ainda tendo nome, não implica muitas exigências nem grandes ambições, permitindo assim uma reforma ou umas férias bem remuneradas. (Claro que, aqui, também cabe aos responsáveis do clube mostrar que há ambição e exigência).

E quanto aos JOGADORES?

Em primeiro lugar, vamos repetir que é urgentíssimo constituir um gabinete de prospecção, que possa funcionar não só (embora principalmente, claro) em Portugal mas também noutros países (por exemplo, os vastos mercados brasileiro, argentino, africano, etc.) e em torneios como os de Toulon, em jogos/competições de sub 21, etc. E, já agora, enquanto ainda seja tempo, devemos pensar seriamente em reassumir laços antigos com clubes como o Vasco da Gama do Brasil, o Real Madrid, o 1º de Maio de Moçambique, etc, bem como aproveitar os muitos núcleos e filiais que temos pelo mundo fora (aproveito para elogiar os esforços que a actual direcção tem feito para congregar e incentivar as nossas filiais e delegações).

Um dos bloguistas militantes, o Pedro Domingues (Pedromld) elaborou um plano muito bem arquitectado para isso (gabinete de prospecçã0) e, na minha opinião, é só aproveitar e pôr em prática… Os custos que implica nem sequer são muito elevados e serão rapidamente superados pelos frutos que daí poderemos colher.

Posto esse gabinete a funcionar, é também urgente que haja uma concepção geral para o futebol do Belém, desde as camadas mais jovens (para as quais o mesmo gabinete de prospecção deve igualmente estar activo). Já várias vezes se referiram neste blog exemplos de clubes cujos sucessos estão alicerçados nas suas “canteras”. Mas, repito: esses casos são aqueles em que há uma concepção, um plano global, articulado desde os alicerces até ao topo e vice-versa. Isso implica determinar um estilo futebolístico (é claro, sem excessiva rigidez), e um perfil de representante do clube para os quais se procurem os jogadores logo em faixas etárias mais jovens, ao qual estes se habituem e no qual se vão apurando do ponto de vista técnico, táctico, físico e psicológico; implica imbuir esses jogadores da alma belenenses, incutindo-lhes ambição, noção do peso da camisola azul, com dados históricos apresentados de modo aliciante e motivador (os meios informáticos, de multimédia, etc.), que os faça ter entusiasmo, orgulho e motivação em ser do Belenenses, vendo isso como um objectivo compensador em si mesmo e não como mero trampolim (mas essas noções da história do Belenenses só valem a pena se a postura dos responsáveis for consequente com a grandeza que delas se colhe; caso contrário, os miúdos encolhem os ombros e pensam “pois, isso foi no passado mas agora é o ‘deixa andar’, o “não te rales”’); implica técnicos competentes e psicólogos que apoiem os jogadores numa fase tão instável como é a adolescência, separando o trigo do joio e ajudando-os a serem profissionais conscienciosos e correctos, caso aí venham a chegar.

Das camadas jovens, dever-se-ão aproveitar uns 2/3 jogadores por época. A isto, deve-se acrescentar um ou dois jovens promissores que os olheiros tenham encontrado, provavelmente em divisões secundárias.

Depois, é possível encontrar um (ou até dois) bons jogadores por época em selecções sub-21 ou sub-20 de países em que os preços ainda sejam comportáveis (no Leste Europeu, em África, em países como o Equador ou a Costa Rica…).

Por fim, deve-se procurar contratar 2/3 jogadores entre os 27 e os 30 anos, que já não vão chegar a clubes de grande poder económico mas que tenham mostrado ser bons profissionais e ter garra e vontade para entrar num projecto ambicioso. Esses jogadores podem ser encontrados em clubes da 1ª Divisão com menos peso do que nós, nomeadamente nos que são despromovidos e de onde, por regra, saem osseus melhores jogadores (podemos parecer um pouco abutres mas é a “lei do mercado”) ou em clubes com classificações cimeiras na 2ª Divisão de Honra. Exemplos mais recentes deste tipo de contratações, poderão ser um Cabral, um Pedro Henriques, um Marco Paulo.

Teríamos assim, em cada época, a promoção e/ou contratação de 3/4 jovens promessas e a contratação de três jogadores de real qualidade, que tenham grandes probalidades ou quase certeza de serem titulares, que sejam mesmo reforços, que melhorem ano a ano a espinha dorsal da equipa, a manter até onde seja possível. É assim que se construíram as boas equipas; não estamos a inventar nada, só a adaptar estes princípios à situação presente do nosso clube.

Gostava de salientar que não me parece bem que um treinador traga demasiados jogadores “seus”. Acho admissível e até bom que o faça mas não num número superior a dois. Todos sabemos que os treinadores não costumam ficar muito tempo num clube e não devemos correr o risco de ter muitos jogadores demasiado presos às concepções de um treinador e que, logo que este saia, se tornam “pesos mortos”. Deve, sim, haver um leque de opções possíveis para as diversas posições a colmatar e, a partir desse leque, pedir a opinião, a preferência e o aval do treinador. Para isso, contudo, é preciso uma estrutura montada e a funcionar ininterruptamente.

Sobre os jogadores, só uma nota adicional: claro que queremos jogadores ambiciosos e claro que sabemos que há clubes com mais trunfos que nós mas isso não quer dizer que seja bom que um jogador que ainda nem sequer jogou no clube já esteja a dizer que está a pensar noutros… que disputam o mesmo campeonato que nós. A expressão do pensamento é livre mas acho que os responsáveis do Belenenses devem, desde o primeiro contacto com os jogadores, deixar claro que o Belenenses não é uma coisa qualquer e que, sendo legítima a ambição pessoal, não é muito respeitoso (começar logo a) falar noutros clubes, que disputam o mesmo campeonato. De resto, eu acho que, tendo o Belenenses sido e querendo voltar a ser (eu, pelo menos, quero) um dos clubes grandes, devemos todos evitar a expressão “três grandes” (eu, por uma questão de orgulho, nunca a utilizo) e fazer perceber a quem nos representa que nos fere e magoa essa alusão. Acho que não é pedir muito. Se eu estiver a almoçar num restaurante, acho que não é muito correcto nem educado estar a declarar que queria era estar noutro restaurante ali ao pé. O que não tira o direito de, eventualmente, ir a esse outro restaurante para uma refeição futura. O que toda a gente sabe que é possível, sendo desnecessário eu estar a proclamá-lo. Além disso, põe algum travão aos jornaleiros que, quando escolhem algum jogador nosso para entrevistar, conseguem que mesmo assim se fale mais tempo noutros clubes (“mas qual dos grandes é que preferia representar”, é a pergunta inevitável, às vezes repetida 3 ou 4 vezes…) do que no Belenenses.

Finalmente, uma rápida alusão ao perfil dos DIRIGENTES:

Um clube como o Belenenses nunca pode (nunca deve) ter a dirigi-lo um “pacóvio” com peneiras de novo rico; alguém que não respeite (pior ainda que não conheça) o passado, a história enorme deste clube; alguém que não se importe de, para fazer uns fogachos pessoais, comprometer o futuro do clube. Mas, ao mesmo tempo, é preciso revitalizar o clube, injectar-lhe sangue novo.

Assim, acho que futuras direcções devem incluir um misto de dirigentes que já tenham demonstrado que não alinham em aventureirismos estéreis, e cuja idoneidade e seriedade sejam incontestáveis, e de belenenses que, sem experiência em cargos dirigentes no clube, mas entrosados com os mais “velhos”, tragam novos métodos e, sobretudo, sangue na guelra, ousadia, vitalidade. Porque ninguém quer uma árvores sem raízes, nem uma árvore que não volte a florescer e a dar novos frutos, ainda que possuindo poderosas raízes no passado. O presente do Belenenses deve estar sempre entre a memória do passado e o sonho do futuro, entre a memória da grandeza que tivemos e o sonho da grandeza que queremos voltar a ter.

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