quarta-feira, junho 30, 2004

A Década de 80 - Parte III - Pódio e vitória na Taça - Secção 1 - Época de 87/88




Nota: O autor deste artigo escreve sob protesto contra a política de recorrer a jogadores emprestados pelo Benfica

O defeso entre a época de 86/87 e a de 87/88 é um dos que não esquecerei nunca. Vivia-se no Restelo, que nessa altura eu frequentava muito assiduamente, ou seja, 2 ou 3 dias por semana, além dos jogos, um ambiente de expectativa e de entusiasmo que talvez nunca mais se tenha repetido.

Finalmente, respirava-se um ambiente de confiança, de ambição, de crescimento, de expansão, de retoma da coragem de lutar pelos lugares de topo. Para isso, contribuía a reconquista do direito de disputar as competições europeias, apesar de muitas adversidades (relatadas anteriormente); algumas excelentes exibições, com um futebol espectacular, não só as referidas contra os nossos velhos rivais mas também, por exemplo, que me lembre de repente, os belíssimos jogos contra o Varzim (4-1) ou contra o Braga (4-2, depois de uma primeira parte de autêntico luxo, traduzida em 3 golos sem resposta); a qualidade e a popularidade que mesmo fora dos limites do nosso clube, detinham Mladenov, claro, mas também Jaime, Mapuata (um trio atacante fantástico), Sobrinho, José António, Jorge Martins... No entanto, complementarmente a isso, sentia-se que o clube, com o boom do bingo, tinha agora meios para ser ambicioso; a direcção anunciara com clareza a intenção de reforços importantes para uma presença digna na Taça UEFA, e sentíamos que íamos voltar a ter uma grande equipa, uma equipa muito competitiva; por outro lado, falava-se em obras, não só as das piscinas mas agora, igualmente as do Estádio, impostas, aliás, pelas exigências da UEFA, desde logo na iluminação.

As semanas que se seguiram ao fim da época de 86/87 foram empolgantes de entusiasmo e expectativas, alternados com desânimo e frustração. Logo no dia a seguir ao último jogo, víamos a direcção em peso a tirar medidas ao campo pelado de treinos e ao próprio maracanâzinho, com vista ao arrelvamento e à expansão, respectivamente; três ou quatro dias depois, o começo das obras para substituição da já arcaica iluminação eléctrica; e dia a dia circulavam entre os sócios os rumores das mais espectaculares contratações, algumas das quais eram realmente mais que rumores, como veremos adiante (o na altura célebre “caso” Tita). Chegávamos um dia ao estádio, e um grupo de sócios assegurava que tinha acabado de falar com o então Presidente da Direcção Mário Rosa Freire, e que este garantira que os laterais Bandeirinha e Laureta, internacionais do F.C.Porto (também naquela altura recém campeão europeu) já “eram jogadores do Belenenses” (julgo que ele mais tarde afirmou que Pinto da Costa teria voltado com a palavra atrás); chegávamos no dia seguinte, e um sócio jurava que tinha falado com o principal Vice-Presidente e que este lhe tinha confidenciado que na semana seguinte ia haver uma autêntica bomba, o anúncio da contratação de Paulinho Cascavel (melhor marcador da época anterior e também da seguinte, transferido do V.Guimarães...para o Sporting, não para o Belém); vinha a semana seguinte, a bomba não explodira mas garantia-se que o internacional brasileiro Tita chegava dentro de dois dias (e aqui, Mário Rosa Freire veio a mostrar, e a permitir a reprodução num jornal, do contrato assinado com o jogador, que terá roído a corda e acabou no Bayer Leverkusen); o Tita não vinha mas rapidamente se exultava porque já se estava a contratar um ainda melhor, o internacional búlgaro Markov; logo a seguir, afinal já vinha o Tita, e no dia seguinte, afinal, até vinham os dois; entretanto, também vinha o Mozer, para reforçar a defesa… e assim se vivia de sucessivas euforias e desânimos.

Numa altura em que o desânimo se transformara em humor, dizia um sócio, ali por baixo do “Varanda Azul”, em frente da então secretaria e ao pé da estátua do Pepe: “Eu estive uns dias de férias e quando voltei cá, fui ao bar e deram-me a linha para o próximo ano: na baliza, Jorge Martins; na defesa, Bandeirinha, José António, “interrogado”, porque deve vir o Mozer, Sobrinho e Laureta; no meio campo, Tita e Markov; no ataque, Jaime, Mapuata, Paulinho Cascavel e Mladenov… Eu ainda perguntei se não eram avançados de mais mas como me disseram que com uma equipa daquelas só precisávamos era de jogar para a frente…eu pedi à minha mulher para ir aos armazéns Grandella [na altura ainda não tinham ardido] e comprar cinco metros de pano azul que era para eu vir assistir aos jogos embrulhado no pano! Afinal, nada…”.

Bem, naquela época contei o nome de 73 jogadores aventados para ingressar no Belenenses, até ao 1º jogo oficial, e mais 15 ainda depois. Total: 88! A partir de então, passei a acompanhar as possíveis aquisições com relativo interesse mas também com distanciamento. Só me interessam realmente para perceber que tipo de ambição (ou de falta dela) é que existe. São sempre muito mais as vozes que as nozes… E, por outro lado, neste tempo em que os jogadores saltam de clube em clube com a maior facilidade e dão pouco valor à camisola que envergam, em que tantas supostas vedetas não fazem mais que dois ou três jogos medíocres, cada vez mais me convenço que os jogadores, treinadores, adjuntos, etc, são só o dia que passa, e que passa bem rápido. E o clube que fica, é o clube que importa. Ao aplaudir uma equipa belenense que entra em campo, não aplaudo os jogadores: aplaudo o meu clube.

Adiante. Ao começar a época, de tantas contratações sonhadas, só 4 se haviam concretizado, e 3 delas sem terem sido anteriormente faladas: Juanico e Chico Faria, que vieram do despromovido Rio Ave e que acabariam por ficar tão ligados à maior conquista do clube nas últimas décadas; o médio ala Luís Reina, vindo do Portimonense (onde alternava a titularidade com o banco; não era nenhum tosco mas pouco jogou) e o moçambicano Chiquinho que nos encheu de alegria, por ter sido disputado com o Benfica.

Afinal, tudo parecia bem cinzento. Continuava-se a aguardar mais reforços. Depireux saíra (depois de um engano com o número de estrangeiros admitidos num jogo para a Taça de Honra) e viera Marinho Peres; no sorteio da Taça UEFA, saíra-nos logo o poderosíssimo Barcelona (já era sina; foi a 3ª vez que tal aconteceu!...); na 1ª jornada do Campeonato, perdemos 7-1 nas Antas…

A pouco e pouco as coisas foram-se compondo: acabaram por chegar jogadores como José Mário (um verdadeiro prodígio), Baidek (um central de antes quebrar que torcer e que deu muita força à defesa), Baptista (internacional brasileiro que participara em 2 campeonatos do mundo…pena que já na sua veterania) e, depois, o regressado Dudu, ainda mais pesado que uns anos antes mas com a sua técnica e visão de jogo fantásticas. Na 2ºjornada, num mau jogo, ganhámos 2-0 ao Covilhã. À 3ª jornada, fomos a Setúbal. Assisti ao jogo. O Vitória havia começado a época em grande. Vinha de ganhar na Luz e a primeira parte foi terrível para nós. Saímos a perder 1-0, eles tiveram um golo anulado e mais uma mão de oportunidades. Veio a 2ª parte…e da noite se fez dia. Mladenov foi sublime! Ganhámos 3-1. Depois, em casa contra o Portimonense, nova vitória 4-2, o jogo a acabar em festa, Mladenov outra vez em grande(dos 10 golos até então obtidos no campeonato, ele marcara 8!), e…venha o regresso às competições, vamos ao Barcelona!...

...Ao Barcelona e a Barcelona, porque o 1º jogo foi lá. Os últimos reforços de que falei ainda não tinham chegado ou não podiam jogar e tínhamos um certo receio da nossa perfomance defensiva. Mas aos 90m, o resultado continuava em 0-0, o que era excelente. Nos descontos, o pesadelo: sofremos 2 golos! Lembro-me de ir de carro na marginal, a ouvir na rádio, e até parei logo que pude, não fosse bater em alguém. Era outra vez o nosso “fado”.

No entanto, tínhamos uma grande esperança. Confiávamos na nossa capacidade atacante e o Barcelona mostrara debilidades. Contávamos os dias para o 2º jogo, decididos a ter uma grande noite europeia em que, pelo menos, não faltasse o nosso apoio, e a tentativa da equipa em virar a eliminatória

E chegou a noite da 2ª mão. O Restelo voltava a “vestir-se” de Europa, em trajes de gala. As ruas à volta do estádio estavam outras vez cheias de Beléns… como nos velhos tempos! A Alegria pairava no ar. A assistência cifrou-se em 25.000 pessoas, entusiásticas (sejamos justos, uma claque de "miúdos" do Sporting também apoiou calorosamente). Estreámos a nova iluminação, de luxo (por acaso, falhara o ensaio da véspera; mas naquele dia, ali estava ela, esplendorosa). Uma grande parte de nós quase rebentava de renovado orgulho e mostrámos isso mesmo quando as equipas entraram em campo: “Belém! Belém! Belém!". Forte, magnífico!

Aos 5 minutos, o delírio: uma vedeta do Barça tenta dar “baile”, o Mladenov tira-lhe a bola, cruza e Mapuata (que fora gozado como tosco pelos catalães) faz 1-0. Foi uma explosão estrondosa!. As bancadas dos sócios tremiam com os nossos saltos! Gritei até ficar rouco e, sem querer, agredi o colega do lado com a bandeira. Mas não lhe deve ter doído, tal o calor do seu, do nosso entusiasmo…

Depois, vieram 20 minutos alucinantes: Mapuata isolado falha, Chiquinho idem e a seguir um autêntico climax: o Guarda-Redes deles está adiantado, Mladenov faz um chapéu magistral do meio campo (à meia volta!), a bola vai a entrar, o guardião blaugrana a recuar, a recuar...e em cima da linha salva para canto! Seria um golo para ficar registado a letras de ouro!
A 2ª parte foi consumida com contínuas picardias (um jogador espanhol chegou a arrancar a bandeirinha das mãos do liner, por discordar de um lançamento!) mas nos últimos 10m voltámos à carga. Mesmo a acabar a partida, remate à baliza do Barca, o Guarda-Redes não agarra, José António salta para a recarga, era o golo (e empate na eliminatória)… mas por centímetros não chega lá! Como na altura se disse, tivesse ele cabelo em vez da sua carequinha e tinha chegado à bola e ao golo. Enfim, vitória no jogo, derrota na eliminatória mas, de qualquer modo, uma noite inesquecível, que nos deixou a vontade de mais!

Seguiram-se exibições e resultados irregulares. Mantendo-se próxima dos lugares de topo, a equipa não engrenava. As exibições, em termos de beleza futebolística, eram muito pobres, embora, por outro lado, Marinho Peres pusesse a equipa a jogar muito compacta e com muito arreganho. Às vezes parecia râguebi! Por outro lado, Mladenov teve uma clara quebra de forma, passou a ser cada vez mais marcado, e o treinador, durante o resto da época, sacrificou-o tacticamente: pô-lo a jogar mais à frente, fazendo recair nele uma marcação ainda mais cerrada e abrir espaços para outros jogadores, em especial Chico Faria. Mladenov cumpriu como um grande senhor! Mas a pouca espectacularidade das exibições começou a afastar público. Para o fim da 1º volta, então sim, a equipa embalou (esteve 15 jogos sem perder, desde a jornada 16 à 30) e, ao recebermos o Porto, na 20º jornada e 1ª da segunda volta, já havia bastante confiança. Foi um jogo muito disputado, que terminou com um justo empate 0-0, presenciado por cerca de 30.000 espectadores, incluindo o Presidente da República.

Não houve muito mais grandes assistências a registar. Logo 3 dias depois de recebermos o Barcelona, tivemos a visita do Sporting. Estavam pouco mais de 20.000 pessoas, o que na época era considerado pouquíssimo. Perdemos 3-2. A 1ª parte foi excelente e saímos a ganhar por 1-0. No recomeço, desconcentração da defesa, e sofremos 3 golos de rajada. Ainda reduzimos para 2-3 mas por aí nos ficámos. A 5 jornadas do fim, recebemos e batemos o Benfica por 2-1. Só 15.000 espectadores, quase todos azuis, pois o Benfica, zangado por não termos querido mudar a data do jogo à sua conveniência, aconselhara os seus adeptos a não ir, em jeito de represália. Na Luz havia cartazes a recomendar que não se fosse ao “penico” (como chamavam ao Estádio do Restelo). Tanto melhor, festejámos sozinhos!

Na penúltima jornada, estiveram outra vez presentes cerca de 15.000 espectadores, em jogo contra o Boavista, decisivo para garantir o acesso às competições europeias (disputado pelos 2 clubes e pelo Sporting) e, praticamente, para o 3º lugar. Ganhámos 2-0 mas sofreu-se muito. Devo confessar que fui para o Estádio com uma grande tremideira, receando que falhássemos na hora H. O jogo foi intensíssimo e a 1ª parte muito difícil. Recordo que o Major Valentim Loureiro passou o tempo atrás da baliza do Belenenses, a lançar bocas para o nosso Guarda-Redes e para o Árbitro (ao Intervalo, alguém do Belenenses o levou dali…). Não quero dizer que tenha sido por isso mas o facto é que árbitro deixou por assinalar um flagrante e confirmado fora de jogo a um jogador boavisteiro, que por pouco não resultou em golo: Jorge Martins desviou a bola para o poste. Não sei o que foi mais forte, se o susto, se a indignação….

Na 2ªa parte, tudo foi diferente. Entrámos a dominar e, aos 52 minutos, chegámos à vantagem. Lembro-me perfeitamente do golo: remate enrolado de Paulo Monteiro, na meia direita, fora da área, o Guarda-Redes axadrezado não chega à bola e ela encaminha-se para as redes, onde se vai anichar. Um enorme alívio, uma explosão de júbilo nas bancadas. A partir daí controlámos o jogo mas o golo da tranquilidade (2-0) só surgiu quase no final. Os minutos finais foram vividos entre gritos pelo Belém e muitos abraços entre nós. Que grande festa! Tantas e tantas bandeiras azuis, tochas acesas, balões e serpentinas! Belém de novo lá em cima! Depois de tantos anos afastados do topo, o regresso ao pódio (3º lugar), confirmado na última jornada. E, depois de 38 jornadas, só 3 pontos nos separaram do Benfica, nessa época finalista (vencido) da Taça dos Campeões. Mais duas ou três jornadas, e talvez ainda chegássemos ao 2º lugar. De qualquer modo, foi uma grande alegria!

Para quem possa interessar aqui fica a relação de resultados nessa época, para o campeonato.

1ª J: Porto, 7 – Belenenses, 1; 2ª J: Belenenses, 2 – Covilhã, 0; 3ª J: Setúbal, 1 – Belenenses, 3; 4ª j: Beleneneses, 4 – Portimonenses, 2; 5ª j: Marítimo, 1 – Belenenses, 0 (estreia de Zé Mário); 6ª j: Belenenses, 2 – Sporting, 3; 7ª j: Elvas, 2 – Belenenses, 3; 8ª J: Belenenses, 2 – Chaves , 0; 9ª J: Salgueiros, 2 – Belenenses, 0; 10ª J: Belenenses, 3 – Penafiel, 1; 11ª J: Rio Ave, 0 – Belenenses, 0; 12ª J: Belenenses, 0 – Espinho, 0 (monumental assobiadela no final…); 13ª J: Farense, 1 – Belenenses, 0; 14ª J: Belenenses, 1 – Académica, 0; 15ª J: Benfica, 2 – Belenenses, 0 (a poucos minutos do fim, com 1-0, atirámos bola à trave, que espantosamente caiu sobre a linha de golo e não entrou…); 16ª J, Belenenses, 1 – Braga, 0; 17ª J: Belenenses, 2 – Guimarães, 0; 18ª J: Boavista, 0 - Belenenses, 0 (falhámos penalty a 10m do fim); 19ª J: Belenenses, 2 – Varzim, 2 (estreia de Baidek); 20ª J: Belenenses, 0 – Porto, 0 (estreia de Dudu); 21ª J: Covilhã, 1 – Belenenses, 2; 22ª J: Belenenses, 2 – Setúbal, 1; 23ª J: Portimonense, 1 – Belenenses, 1; 24ª J: Belenenses, 1 – Marítimo, 0; 25ª J: Sporting, 1 – Belenenses, 1 (dois penaltys contra o Sporting por marcar e um golo mal anulado ao Belenenses!); 26ª J: Belenenses, 2 – Elvas, 1; 27ª J: Chaves, 0 – Belenenses, 0; 28ª J: Belenenses, 2 – Salgueiros, 2; 29ª J: Penafiel, 1 – Belenenses, 0; 30ª J: Belenenses, 3 – Rio Ave, 0; 31ª J: Espinho, 2 – Belenenses, 1; 32ª J: Belenenses, 4 – Farense, 1; 33ª J: Académica, 0 – Belenenses, 0; 34ª j: Belenenses, 2 – Benfica, 1 (golos de Chiquinho e Chico Faria); 35ª J: Braga, 1 – Belenenses, 1; 36ª J: Guimarães, 0 – Belenenses, 1; 37ª J: Belenenses, 2 – Boavista, 0; 38ª J: Varzim, 1 – Belenenses, 1.

(Artigo da autoria de Eduardo Torres, com continuação na próxima semana.)


Ficha do jogo com o Barcelona, no Restelo



Belenenses-Porto, com uma fantástica moldura humana



Capa da "Gazeta dos Desportos", no dia seguinte ao Belenenses-Boavista


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