quinta-feira, março 31, 2005

Sousa, um dos nossos

Se é verdade que questiono permanentemente a vontade e ambição dos nossos jogadores de futebol, também me parece claro que temos de dar o mérito a quem o merece. Pode parecer um contra-senso numa altura em que a nossa equipa tanta mostra tem dado de falta de querer, mas parece-me que agora mais que nunca há que realçar aqueles, poucos, que dão tudo o que têm pela nossa camisola.

Seria fácil de falar de Marco Aurélio, que é já um símbolo deste clube. Ou de Marco Paulo, mal amado mas impossível de questionar pela sua entrega. Ou até de Neca, apesar de certos sectores do clube questionarem a sua falta de entrega nos momentos em que a sua entrega é total, como sempre, mas falta-lhe a condição física que lhe permita deliciar-nos com todo o futebol que tem e que, é bom que não o esqueçamos e não desvalorizemos, já o levou a atingir a selecção nacional naquela que é, porventura, a posição para a qual o futebol português tem mais valores.

Hoje não vou falar desses, poços de talento técnico e táctico. Vou antes falar de um dos nossos jogadores tecnicamente menos dotados: Sousa.

Quem ousa afirmar que Sousa, nalgum jogo, não deu tudo pela nossa camisola? Questionem se é mal “comido” pelo extremo adversário ou se não sabe cruzar. Mas nunca questionem se não foi agressivo a defender ou se não teve alma para atacar. Contra tudo e contra todos.

A época passada correu mal, é um facto. Sousa jogou mal, é um facto. Todos jogaram mal, é um facto. Mas só 2 ou 3 mostraram a vontade de ganhar que Sousa mostrou do princípio ao fim. Ele que na 1ª jornada marcou um golo de antologia, com ou sem intenção. Mas a sua postura humilde, a mesma que mostra em campo, compeliram-no a esclarecer logo no final da partida que nunca lhe tinha passado pela cabeça rematar e que aquilo não passou de um alívio que foi bafejado por uma impressionante dose de felicidade. Fosse um alívio de um João Pereira, de um Miguel Garcia ou de um Seitaridis e ainda hoje seria um golo recordado e arranjar-se-iam mil formas de ter havido intenção. Mas não, foi o Sousa, o miúdo de quem ninguém gosta…

Seguiu a época, um Belenenses intermitente, o Sousa com as suas fífias e os seus cruzamentos mal tirados. Mas também o Sousa da entrega total e que mesmo quando é “comido” sem dó nem piedade pelo extremo, vai atrás dele, dá-lhe luta, não o deixa cruzar com todo o tempo do mundo nem fica pelo chão entregue à dor de Deus não lhe ter dado o talento que deu a outros. Mas deu-lhe garra!

Quando a época começou a ficar negra, Sousa começou a ser o bode expiatório de uma equipa mal formada por Manuel José, sem soluções e com algum azar. Começou o festival de assobios e insultos a Sousa. Aliás, na primeira vez que tocava na bola em qualquer jogo no Restelo, logo havia alvoroço na bancada. E a cada falhanço, os insultos voavam em direcção ao relvado. A tudo isto, Sousa respondia na jogada seguinte com mais e mais vontade, sem que isso levasse os iluminados da bancada a perceber que Sousa não era o problema, mas sim quem coabitava à sua volta. E chegaram mesmo a ser esses os primeiros a “cortarem-lhe as pernas” e a tentarem “mostrar” à bancada quem era o culpado. Mas Sousa seguiu sempre o seu rumo.

Só por uma vez, numa única jogada, o vi atirar a toalha ao chão. Num jogo no Restelo, Sousa recebe a bola pressionado por 2 adversários e logo o coro de assobios e impropérios se fez sentir. Sousa não alivia logo e parece que os adversários lhe vão roubar a bola. Nesse momento, o Estádio vibrava como se um golo tivesse sido marcado, mas tudo não passava de insultos para com o nosso jogador. Sousa, vendo-se na iminência de perder a bola, pontapeou-a com toda a força contra um adversário e ganhou o lançamento para o Belenenses, no meio de mais e mais insultos. Não mais esquecerei o olhar que lançou à bancada quando se dirigia à linha para executar o lançamento. Eram os olhos mais incompreendidos que alguma vez vi. De um homem que não percebia o porquê. De um homem que naquele pontapé na bola pontapeou toda a incompreensão de que era vítima. Foi um olhar fugaz, porque logo o apanha-bolas lhe passou a bola e Sousa a apanhou para marcar o lançamento, com tanta ou mais vontade de ganhar que aquela que tinha 10 segundos antes.

A época avançava e o Belenenses cada vez se afundava mais, e os jogadores mostravam cada vez menos entrega. Sousa não, mantinha a sua postura guerreira e de repente, por alturas de Fevereiro, começou a correr na bancada que Sousa se calhar não era o principal culpado. Que havia piores, bem piores. Mais, que Sousa até era dos poucos que suava a camisola… fazia-se luz.

Pergunta agora o leitor: Mas onde é que este tipo quer chegar? Se afinal até a bancada acabou por compreender!

Simples meus amigos. Ao contrário do que dizemos na brincadeira, que foi o inenarrável Valdiran que nos salvou com o 2º golo ao Alverca, quem nos salvou foi Sousa, no jogo da 2ª volta em Alverca. A perder por 1-0, Inácio usou a única táctica que conhece: começou a tirar defesas e a colocar avançados. Chegámos a jogar com uma linha avançada de 6 (seis!!!) homens, com Pele sozinho no meio-campo a organizar (???) jogo e Verona a jogar a lateral-direito, com Wilson sozinho ao centro. Nesses últimos 15 minutos de Alverca, por 3 vezes se isolaram jogadores Ribatejanos. Das 3 vezes, em 2 delas Sousa fez um sprint de 40 ou 50 metros e conseguiu desarmar o avançado (se não estou em erro, nessas duas vezes Rodolfo Lima). Na outra, Sousa chegou mais tarde, ainda assim a tempo de importunar o avançado que rematou sem liberdade para a defesa do Imperador Marco Aurélio. Foi Sousa, meus amigos, foi Sousa. Foi ele que veio lá da frente para nos salvar cá atrás.

Época nova, vida nova. Julho, calor de Verão, 1º jogo da pré-época em Santiago do Cacém ante o Olhanense. Sousa a lateral direito, Amaral a lateral-esquerdo. Cerca da meia-hora de jogo, Sousa salta a uma bola, cai e agarra-se ao joelho. Sai lesionado. No final da partida, dizia-se que não seria nada de grave. Sousa dizia que não, que sabia que era grave e que ia parar. Mas que ia voltar ainda com mais força e vontade. Sousa parou até Janeiro e voltou cheio de vontade. Com as mesmas limitações técnicas, mas cheio de vontade. Durante este tempo, não se cansou de incentivar os colegas e de marcar presença em acções de promoção do Belenenses, para as quais é dos primeiros a oferecer-se.

Podem não acreditar, mas Sousa é mesmo um dos nossos. E são tão poucos…

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