Passam hoje, dia 23 de Setembro, 85 anos de vida do Belenenses! É uma data que nos enche de júbilo e comoção, que nos evoca incontáveis êxitos e desventuras, tormentas e conquistas: uma história de paixão e resistência!
“SOMOS TODOS DE BELÉM, PORQUE HAVEMOS DE JOGAR PELOS ‘OUTROS’?”, perguntava Artur José Pereira, o principal fundador do Belenenses, com a sua férrea vontade de autonomia, inconformado por não haver um clube verdadeiramente belenenses. Um havia acabado (a União Belenenses), o outro (o Sport Lisboa) acabara por se fundir com um outro, de Benfica.
Mas, Artur José Pereira, que já depois da sua morte era ainda considerado “o maior futebolista português de todos os tempos” (entre outros, por Cândido de Oliveira), persistiu e acabou por cumprir o seu sonho – UM SONHO QUE NÃO PODEMOS DEIXAR MORRER NEM SEQUER MENORIZAR-SE. Devemos-lhe isso. Estou certo de que, SE ELE ESTIVESSE ENTRE NÓS, HAVERIA DE LIDERAR A LUTA POR UM BELENENSES FORTE E ALTANEIRO, QUE A NENHUM OUTRO CLUBE OU PODER SE SUBALTERNIZASSE.
Acácio Rosa, na sua história do Belenenses, escreveu muito sobre Artur José Pereira. Citamos aqui dois excertos muito significativos:
“ (…) O drama deste genial futebolista, a quem o desporto-rei ficou tanto a dever, que teve o infortúnio de viver em épocas de profissionalismo pecaminoso, consumiu os mais vigorosos anos da sua vida em empregos que nada lhe diziam… Deveria ter nascido quarenta ou mesmo sessenta anos mais tarde? Talvez. Mas também nos ocorre perguntar: se tal tivesse acontecido, o futebol português seria tão cedo adulto sem a sua presença?
Já no ocaso da sua carreira, tinha uma mágoa que consistia no seguinte: Belém, o seu bairro amado, berço de tantos futebolistas de valor e que criara o Sport Lisboa… Belém da ‘Cruz de Cristo’ não tinha, agora, um clube desportivo à altura do valor da sua juventude. Quando da fusão do Sport Lisboa com o Grupo Sport de Benfica, isto em 1908, Artur vaticinara na ocasião que o velho Sport Lisboa iria desaparecer com a absorção do outro bairro, ficando o novo clube para sempre com o nome de «Benfica». E assim sucedeu. Quem nos anos vindouros recordaria que Belém teve maior peso e número de valores do que o Benfica? Este bairro deu, sim, um contributo importante… Qual? O campo desportivo da Quinta da Feteira.
Finda a época de 1918/19, Artur José Pereira teve um encontro com Jorge Vieira, então soldado do Batalhão de Telegrafistas e sondou-o sobre a sua saída do Sporting: «Ó Jorge, achas que o Chico Stromp se zanga comigo se eu sair do Sporting para ir fundar um clube aqui em Belém?» - Jorge Vieira abordou o antigo capitão «leonino», outro grande desportista e figura moral do nosso desporto, ao que Stromp, de coração ao pé da boca lhe respondeu: ‘ Olha Jorge, diz a esse gajo que vá à merda e que funde o tal clube de Belém’.
A ideia jamais deixou de se avolumar até que numa noite de fins de Agosto desse ano, num banco de jardim da Praça Afonso de Albuquerque, Artur José Pereira, seu irmão Francisco Pereira, Henrique Costa [o sócio nº 1 e outro grande dinamizador], Carlos Sobral, Joaquim Dias, Júlio Teixeira Gomes, Manuel Veloso e Romualdo Bogalho lançaram os alicerces para a formação de um novo clube. O dr. Virgílio Paula e o engº. Reis Gonçalves [este, o 1º Presidente do clube] foram as primeiras individualidades a serem consultadas a tal respeito e a darem o maior apoio à iniciativa.
E, assim, do quase já esquecido Sport Lisboa renasceu, em Belém, o Clube de Futebol «Os Belenenses».
(...)
Quando morreu em 6 de Setembro de 1943, com 53 anos, fora a tuberculose que o destruíra. Mas o sr. Manuel acrescentou: ‘O Artur morreu tuberculoso, mas não culpemos o futebol. Quem o matou foi o Amor, o Amor que ele, ao longo da vida, nunca deixou de procurar…’”.
Noutra parte do seu livro, escreve Acácio Rosa, reproduzindo uma ilustre opinião:
“Artur José Pereira morreu. Aquele que foi o maior de todos, no futebol português, deixou a vida ao alvorocer do dia 6 de Setembro de 1943, numa casinha humilde do campo, situada num vasto panorama de terras e flores, tendo a seu lado a sua dedicada esposa e uma sobrinha que era todo o seu enlevo. Porque Artur José Pereira atravessou a vida com uma grande ternura. Na competição do futebol dava-se inteiramente à luta, com paixão, e por vezes com excessivo vigor físico. Mas ninguém tinha como ele o culto da camaradagem e o sentido de protecção do mais fraco.
Multiplicava-se em campo para não serem notados os erros ou as fraquezas dos seus companheiros. Era um homem.
Quem o visse entrar um dia no terreno do jogo, desgrenhado, com o cabelo levemente descaído para a testa, balouçando o corpo no ritmo sempre igual, forte e vigoroso, e o visse depois, mais tarde, intervir nas jogadas, não só em habilidade, como em força e por vezes em violência, julgaria estar em presença de um homem em estado primitivo, duro e incapaz de amar ou de se enternecer.
Nada mais Falso. Artur José Pereira era de sensibilidade agudíssima. A infelicidade ou tristeza dos outros comoviam-no profundamente. O seu coração sangrava e sofria, no contacto com a vida. Um corpo forte com a alma de uma criança!’
Eu conheci o Artur há muito tempo, na convivência quasi diária do “Martinho’. O maior jogador jogador português despedia então os últimos golpes, preparando-se para arrumar definitivamente, sem dúvida com tristeza, as botas que melhor souberam repelir e acariciar a bola de cautechu.
Mas a sua figura enchia ainda o futebol. E de tal forma que os jogadores novos, principalmente os de teams escolares, tinham a preocupação de imitar o inimitável player, no seu modo de andar, na forma de chutar, na colocação do terreno e noutros pormenores que davam à sua figura um estilo inconfundível.
Não há dúvida. Artur José Pereira, que nunca estudou o jogo pelos livros ou pelo ensino do treinador, conhecia o jogo como ninguém. Ele foi o precursor do jogo moderno, adivinhando, por intuição e instinto, tudo quanto dizia respeito a táctica e sua execução.
Artur José Pereira foi jogador, treinador e árbitro. Começou na praia, nas terras do Embaixador, como todos os rapazes do seu tempo e do seu sítio, fazendo habilidades com a bola de trapo.
(…)
Como árbitro ainda e jogador conseguiu afirmar-se. Mas onde os seus conhecimentos de jogo se puseram em destaque foi exercendo o lugar de treinador. Desempenhou esse cargo, durante muitos anos, no Belenenses, não citando já o seu concurso à Selecção Nacional, na companhia do seu grande amigo Cândido de Oliveira, com a maior das proficiências e completa dignidade. O Belenenses, que ele fundou, era a grande paixão da sua vida. Pertencia àquele tipo de treinadores que transformam cada jogador num amigo. Os jogadores obedeciam-lhe cegamente porque ele sabia mandar, não deixando de o fazer, por vezes com dureza. Fez assim alguns jogadores, alguns deles de grande renome. O público conhecia essa sua tarefa. E dizia-se: ‘Naquele vê-se o dedo do Artur’;’Este foi o Artur que o fez’. E estes que o Artur tinha feito respeitavam-no.
(…) o seu último jogo oficial foi a 22 de Março de 1922.
Ainda novo, com cinquenta e dois anos, morreu Artur José Pereira. O seu enterro pode classificar-se como uma manifestação grandiosa de solidariedade desportiva, a um tempo de carinho e de homenagem, que transcende a cor clubista. Nem de outra forma podia ser. Enterrou-se a 8 de Setembro o maior jogador português de todos os tempos”.
ARTUR JOSÉ PEREIRA, UM NOME E UM EXEMPLO A NUNCA ESQUECER!
Mas continuemos. Nasceu pobre, o Belenenses, num jardim da Praça Afonso de Albuquerque. Os jogadores equipavam-se… em casa de Artur José Pereira. Num simples quarto, era a sede do nosso clube. Mas havia uma grande alma… Um imenso amor ao Belenenses… E rapidamente o clube se impôs!
Na edição do Jornal do Belenenses de 27 de Setembro de 1956, há um longo artigo de Ramiro Farinha, com o título “Página da História dum Grande Clube”. Vamos transcrever algumas passagens:
“Começara o campeonato de Lisboa (…) Na primeira jornada, em 28-XII-1919, o Belenenses derrotou o Internacional por 3-2 e um mês depois venceu o Benfica por 2-1. Esta vitória, como atrás dissemos, constituiu a primeira ‘coroa’ de glória do clube.
A propósito desta vitória sobre o Benfica, Francisco José Pereira, irmão do saudoso Artur José Pereira, descreveu-nos, há tempos, essa inesquecível jornada, ainda com certa emoção:
- Foi uma alegria doida! – disse-nos. E acrescentou:
- Quando chegámos a Belém, tivemos, por parte da população, uma carinhosa recepção. À noite formou-se um cortejo à frente do qual seguia a banda da Sociedade ‘Alves Rente’. Esse cortejo dirigiu-se a minha casa, onde meu irmão, pela fama e prestígio de que gozava, e também porque tinha sido o inspirador e principal obreiro do nosso clube, foi alvo de uma grande manifestação.
Disse-nos ainda Francisco José Pereira.
- Nessa noite, em minha casa, chorou-se de alegria. O nosso querido Belenenses, em cujo êxito quase ninguém acreditava, acabava de dar um exemplo do seu grande valor, valor que havia de perdurar até aos nossos dias e que perdurá sempre para honra da gente de Belém e do Desporto Nacional.
Merece a pena referir a circunstância do Belenenses ter vencido o Sporting por 1-0 no primeiro jogo em que defrontou a turma ‘leonina’. O facto deu-se nas meias finais do já referido campeonato de Lisboa, na tarde de 18 de Abril.
A final deste campeonato disputou-se em dois jogos entre Benfica e Belenenses, no velho campo de Palhavã.
O entusiasmo provocado por estes encontros foi indescritível. Basta dizer que a Associação de Lisboa conseguiu que dez camionetas fizessem carreiras consecutivas com partidas do Rossio”.
No mesmo jornal, há uma entrevista a Joaquim Dias, sócio nº 13 do clube. Dela, também retiramos alguns excertos:
“A verdadeira primeira sede foi ali – e Joaquim Dias apontou-nos o seu quarto de dormir -, era onde as reuniões se faziam e a minha saudosa mãe passava a ferro e tratava dos equipamentos dos nossos jogadores (…)
- Já deve ter, quem ao desporto dedicou toda a sua vida, alguns momentos dos maus e dos bons. Quer dar-nos um exemplo de cada um?
- Bom, sempre que ganhamos e, especialmente, quando conquistámos o Campeonato de Portugal e a Taça.
- E dos maus?
- A morte de Pepe, em que infelizmente fui eu, na qualidade de director nessa altura, incumbido de fechar a porta da sede, quase tendo sido esmagado pela avalanche do povo que pretendia ver o seu ídolo pela última vez.
- Agora que falámos do passado, que me diz da obra erigida no Restelo?
- Apenas uma palavra, a qual julgo chegar para demonstrar sobejamente a alegria que me vai na alma: admirável! Esta afirmação não receia desmentido para quem, como eu, leu, em letra de forma, a opinião dada por Cosme Damião, a nosso respeito, na altura da fundação: ‘O Belenenses, como qualquer outro clube que se forme, não durará mais de três meses’.
- Afinal, concluiu Joaquim Dias com satisfação, tudo saiu ao contrário’”.
Cosme Damião foi o grande artífice do Sport Lisboa e Benfica. Joaquim Vieira, um dos fundadores do Belenenses, expressa claramente a luta de sempre do Belém para não ser esmagado… resistir… ter o seu espaço… crescer livre, independente e orgulhoso… e obter as suas conquistas!
Com o devido respeito por quem já morreu, efectivamente Cosme Damião enganou-se. Passámos os três meses… e cá estamos há 85 anos! E prontos para os próximos 85!!!
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