quarta-feira, setembro 08, 2004

A DÉCADA DE 80 (CONTINUAÇÃO) - PARTE V - CONCLUSÕES - SECÇÃO III – A Falta de Orgulho e de Ambição



Simultaneamente com a diminuição da paixão clubística no Belenenses, e com a progressiva instalação de um cinzentismo e, até, de produtos “híbridios”, só parcialmente azuis (de que falámos no artigo anterior), e como natural consequência disso, tem-se assistido (e particularmente na década de 80, que é aquela que nos estamos a referir) a um conformismo, a uma falta de orgulho e de ambição – em muitos aspectos, a uma letargia – particularmente dolorosa, face à grandeza do Belenenses.

Também aqui, vamos referir apenas alguns episódios reveladores dessa situação, alguns já mencionados em artigos anteriores, outros a que ainda não nos tínhamos referido. E, mais uma vez, fá-lo-emos sob a forma de meros tópicos, para não nos alargarmos demasiado. Eis, pois, algumas situações:

* Depois da vitória na Taça de Portugal de 1989, a primeira dessa década que não fora conquistada por Benfica, Porto ou Sporting, depois desse regresso do Belenenses às grandes vitórias, não houve (como vimos), nenhuma celebração organizada, nenhum extrapolar desse sucesso para relançar em força o clube e torná-lo novamente capaz de atrair multidões. Poder-se-ia e dever-se-ia ter feito muitíssimo mais nesse campo. O ambiente era propício. Mais a mais, eram os 70 anos do clube, e podia-se ter unido as duas celebrações. Podia-se ter ousado voltar à intromissão entre os nossos velhos 3 rivais, ainda que de forma prudente – prudente mas decidida. A grande crise em que o Sporting estava então mergulhado, ajudaria a esse objectivo. Mas... ficámo-nos. Não houve celebrações. Deixou-se começar a decair a qualidade do plantel. O jogo de apresentação foi com... o Estrela da Amadora. Como já dissemos, durante esse defeso, o Restelo parecia estar em plena dormência. Claramente, a ambição tinha-se esgotado. O nosso pior receio confirmara-se: a vitória na Taça fora um ponto de chegada, não um ponto de partida, um ponto que significasse um recomeçar em força.

Devemos aqui ressalvar que talvez em parte isto se possa justificar pelo cansaço de Mário Rosa Freire e sua equipa. Rosa Freire presidia ao clube desde 1982, e é justo destacar que lhe pegou numa altura difícil e que, em alguns aspectos, conseguiu bons resultados. De qualquer maneira, acho que, nesta inércia, houve falta de alma e de ambição. Um dirigente em particular pode já estar cansado; mas, e os restantes responsáveis? E a própria massa associativa, nomeadamente os que estão (estavam) em posição de tomar iniciativas e arrastar os outros? Que grande oportunidade que perdemos

* Aliás, já na época anterior (87/88) se não aproveitara a embalagem do 3º lugar. Não se deu a Marinho Peres os meios, que ele pedia, para ir mais longe (o que o levou a ir-se embora). Não se explorou o feito desse regresso ao pódio. A única referência, muito tímida, foi a de um protesto de Barcínio Pinto, ao tempo Chefe do Departamento de Futebol, face ao desinteresse a que a imprensa nos votava.

* Já noutro artigo falámos do significativo episódio da discussão de um aumento de quotas em AG, durante o defeso que antecedeu a época de 88/89. Por isso, vamos citar o que escrevemos: “Não cabe agora discutir se ele [o aumento] era justificado ou não. O que me lembro é que, a certa altura, um membro da direcção, salvo erro Ramos Lopes (que anos mais tarde viria a ser Presidente), pretendeu justificar o aumento proposto, dizendo: ‘Para fazermos pelo menos tão bem como na época passada…’. Grande parte dos sócios riram, apuparam, disserem que ele era maluco, que estava a sonhar…

É contra esta menoridade, contra este conformismo, contra esta assunção de uma pequenez ao arrepio do espírito conquistador dos que fizeram o clube grande, contra esta falta de ousadia por objectivos mais altos, que eu escrevo tão repetidamente. Começou em alguns dirigentes, passou para muitos adeptos, foi conveniente para “poderes” externos ao clube (i.e., outros clubes e jornalistas ao seu serviço. Hoje, tristemente, já nem essa importância nos dão…). Por isso, quando alguém ousa pedir algo mais do que a menoridade ou até a subserviência perante outros clubes, é tido por aventureiro, por louco, por demagogo ou qualquer coisa assim. É uma maneira de estar enraizada no subconsciente.

Mas então, perguntar-se-á: acha bem os aventureirismos? Claro que não, claro que não acho bem. Mas os aventureirismos das últimas décadas começaram justamente pela eleição de direcções que triunfaram na base da campanha contra a demagogia, o excesso de ambição, as promessas… e com base na apologia dos coitadinhos-poupadinhos. E acabaram justamente nisso tudo que se anunciara combater – despesismo, aventureirismo, demagogia – mas de maneira pateta, ridícula, rebaixante do clube, atirado sem honra nem glória para a lama”.

* E vem a propósito, até por causa da 1ª Jornada deste Campeonato que se vai iniciar (o artigo é escrito antes, embora publicado depois), lembrar um episódio aquando de um jogo com o Marítimo, justamente na década de 80 (época 87/88). O jogo foi na Madeira, a um Domingo e eu estava no Estádio do Restelo, com mais alguns sócios, a acompanhar o que diziam na rádio. Logo aos 2 minutos, sofremos um golo. E assim ficou o resultado. Alguns de nós estavam tristes, desanimados alguém exclamou, para exprimir o seu desencanto: “Eh pá, tivemos 88 minutos e não conseguimos fazer um golo!”. E logo alguém replicou, alterado, com medo que se estivesse a criticar não sei o quê: “ E Então? Querias ganhar todos os jogos? Então eras campeão!” (sic). Só posso dizer: e se fossemos? Sim, parece que é um crime querermos (voltar) a ser campeões!

* Depois de eliminarmos o Bayer Leverkusen, em 88/89, havia quem fizesse votos de uma rápida despedida da presença europeia para nos concentrarmos no Campeonato, porque (dizia-se) isto de estar em várias frentes desestabilizava (!!!) o clube, etc.

* As repetidas afirmações (que aliás se mantêm décadas fora) do género “Não contratamos mais ninguém. Só se fizer falta ....” Ora, aqui cabe sempre perguntar: se fizer falta, para quê? Para não descermos de divisão? Para ficarmos a meio da tabela? Para chegarmos à Taça UEFA? Para ficarmos nos 4 primeiros? Para ganharmos o Campeonato? Pessoalmente, penso que: ou não temos recursos para mais contratações e então... “quem não tem dinheiro não tem vícios”; ou temos, e então devemos usar esses meios, dentro de critérios de rigor e equilíbrio, para chegarmos o mais longe possível (porque não há nenhum limite, senão quando se atinge o 1º lugar)!

* A omissão das Direcções em reagir ao facto de a imprensa nos ligar pouco (embora muitíssimo mais que actualmente) e continuar a atacar-nos capciosamente sempre que podia. Exemplo disso, foi o jornal Record do dia a seguir à nossa vitória na Taça: duas linhas minúsculas na capa, sem nenhuma imagem; todo o destaque para uma entrevista com um jogador do Benfica; na página 2, um editorial do Rui Cartaxana (olha quem!...) a dar-nos para trás; insinuações de que ganhámos por causa da arbitragem e da sorte (!!!), o que me pôs em estado de revolta quase colérica, etc. A estas discriminações e injustiças, os responsáveis não reagiam, nem nunca vi uma estratégia (nem preocupação com tal) para fazer reverberar as nossas vitórias, puxar pelo clube, torná-lo atractivo para os jovens, mostrá-lo como alternativa – novamente! – aos três clubes que sabemos, dá-lo como exemplo de luta contra a adversidade, reunir élan e entusiasmo à sua volta, fazer aumentar as assistências, manter viva a projecção e a ambição do clube.

* Ver pessoas dentro do clube a falar com toda desenvoltura nos três grandes, esquecendo (se é que sabem...) que houve quatro grandes durante décadas e que nós fomos um deles. Pelos vistos, há que não tenha ambição de o voltarmos a ser...

Poderíamos multiplicar os exemplos e situações. Acho, porém, que estes que aqui deixámos já são suficientes. Por isso, termino aqui o artigo de hoje, dizendo:

VAMOS TENTAR, COM TODA A FORÇA, VOLTAR A POSICIONAR-NOS BEM. E SE ISSO ACONTECER (TEM QUE ACONTECER!), NÃO PAREMOS. CONTINUEMOS A LUTAR PARA FAZER SEMPRE MELHOR, PARA CHEGARMOS SEMPRE MAIS LONGE!

(Nota: este artigo foi escrito à pressa, antes de ir para férias. Assim, pedimos desculpa por quaisquer gralhas ou frases pouco claras que nele se encontrem. Pedimos ainda desculpa pela omissão de publicação da rúbrica na semana passada, sendo que a partir desta semana a sua periodicidade semanal manter-se-á)

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