quarta-feira, abril 07, 2004

Ser do Belenenses
Passado, presente e futuro.


Texto da autoria de Nuno Gomes, sócio nº 28078

É paterna a minha referência e motor do interesse inicial pelo clube. Como quase sempre, é alguém de família. Mas no meu caso foi um pouco diferente. Nunca houve pressão, antes pelo contrário, foi uma sempre uma influência pedagógica. Por isso senti sempre que cheguei lá pelo meu pé e por força da ‘razão’. Ouvindo a história e as histórias do clube, o que ele significou e significa e o que o distingue dos restantes, muito para além dos resultados desportivos. Por ouvir falar nas velhas glórias e feitos.
Embora o meu Pai estivesse há muito afastado da vida do clube, assisti à sua tristeza pela descida de divisão, no final da época 1981/82. Acho que nem hoje ainda consigo imaginar o que significou, para alguém que viu o Belenenses campeão nacional e mais algumas vezes quase campeão, assistir à descida de divisão.
É no seguimento desse momento que nasce a minha ligação ao Belenenses. Aos 11 anos. Passei a seguir os relatos dos jogos ou os resultados do Belenenses, aos domingos à tarde, nem que fosse num rádio a pilhas. Sofri com o falhanço da subida no ano seguinte. Era já o meu clube.
Na época da subida, vibrei com os resultados e fui partilhando esse entusiasmo com o meu Pai. Conseguir vê-lo de novo no Restelo, presenciar toda a emoção que então sentiu foi algo que nunca esquecerei e que cimentou definitivamente a minha ligação ao clube. Recordo esse último jogo da época, que perdemos 0-1 com o União da Madeira, com a equipa ainda a ressacar dos festejos da subida.
Tal era o meu entusiasmo que pouco depois tornámo-nos sócios e assim nos mantivemos por alguns anos, apoiando a equipa com muito razoável regularidade.
Lembro-me de outro momento de grande emoção ao assistir a um jogo de velhas glórias do Belenenses e do Benfica, no Restelo, e ver o estádio cheio (quase) a homenagear carinhosamente esses jogadores. Entre outros estavam lá, Dimas, Vicente, Matateu (não jogou), Iaúca e muitos outros. Testemunhar o seu significado para tantos que os viram jogar no seu tempo.
Neste período até 1991 pudemos assistir à construção de uma equipa de futebol competitiva, pronta a discutir o resultado em qualquer campo. Foi um período, no mínimo, de prata.
Mas havia já algo que me fazia espécie: um estádio lindo, uma equipa competitiva e bem posicionada e, mesmo assim, raras vezes via o Restelo cheio ou mesmo razoavelmente composto. Nem um futebol bom ou razoável, nem um 3º lugar no campeonato, nem a conquista da Taça de Portugal (arrasando de rajada os ditos três maiores do futebol português) faziam mudar o cenário desolador da bancada dos sócios às moscas, com metade ou mais dos lugares vagos na maioria dos jogos. Do resto do estádio é melhor nem falar.
Não compreendi o alheamento geral quando mesmo lá fora eliminávamos, ou quase, grandes clubes da Europa. Quem não se lembra do quase eliminado e todo-poderoso Barcelona, vergado a uma exibição memorável no Restelo vencido por curto 1-0? Curto porque em Nau Camp o jogo não terminaria antes deles marcarem 2 ou 3. Nem nessa vitória o Restelo encheu totalmente. Nem tão pouco encheu quando recebemos o Bayer Leverkussen (então detentor da Taça UEFA), na 2ª mão, a seguir à brilhante vitória obtida na Alemanha.
Bem sei que o futebol mudou muito, globalmente, desde esses tempos. Mas no Belenenses não é tanto assim. Em gestão do futebol não. Talvez o velho modelo da carolice, amadorismo ou, pior, do compadrio, favoreça os clubes pequenos e ‘Câmara Municipal-Ó-Dependentes’, com contas menos claras, em concorrência desleal (lembro-me de tantos...), mas no nosso clube a realidade não é essa. E ainda bem. Daí que a persistência da gestão do futebol nesses velhos moldes tenha vindo ciclicamente a produzir resultados a que já assistimos e que este ano estejamos a torcer e esforçamo-nos para que não se repita a descida.
Em termos de gestão, que dizer das inexistentes ou insípidas acções de captação de novos e antigos sócios? Alturas houve em que o clube se desinteressou inclusive de cobrar quotas, além de entrar naquele esquema de bilhete suplementar em todos os jogos, tentando explorar os poucos que lá iam. Passar horas para pagar quotas e bilhetes suplementares não era um passatempo divertido. Deixei-me disso. Cansei-me e desisti ao fim de algumas épocas. Recebi eu, ou o meu Pai (que não muda de casa à 30 anos) alguma carta a verificar a situação, tentando entender os motivos para o alheamento e tentanto facilitar o regresso? NADA!
Quando um clube quer atrair e fidelizar sócios tem que tornar até o acto mais penoso – pagar – num processo simples, indolor. A maioria da população está ocupada ou mora longe da secretaria.
O Belenenses é um clube grande. Já lá vai o tempo em que a média de idade dos sócios era um caso geriátrico agudo (com a devida vénia respeitosa aos sócios seniores) e com muito tempo livre. Esta realidade mudou muito e está já bem patente nos dados estatísticos do relatório e contas de 2003, recentemente divulgado.
Quando voltei há pouco a ser sócio, pensei que nesta era tudo seria diferente. Rapidamente constatei que, apesar das tecnologias disponíveis, não evoluímos muito nalguns aspectos fulcrais. Paga-se na secretaria e, tirando Sábados de jogo, o período de atendimento é impraticável para quem trabalha em horários ‘normais’. Alternativa é um dos 5 (!!!) cobradores de rua ir cobrar a casa, também em horário impraticável. O Belenenses é um simples clube de bairro para ter este tipo de postura? Não, é um clube nacional e internacional, com sócios espalhados por esse mundo fora. Os que estão em Portugal, estão então condenados, jogo sim jogo não, a passar um ‘tempinho’ a pagar quotas nas bilheteiras em dia de jogo? Não há maneira de se arranjar um modo de pagamento automático, factura a pagamento no multibanco ou outra alternativa eficaz como outros já fazem? A justificação parece ter a ver ainda com a credibilidade do Belenenses na banca. Até quando?
No campo financeiro, não podia estar mais de acordo com quem entende prioritário assegurar meios de subsistência financeira duradouros acabando com a bingo-dependência, através da rentabilização de património imobiliário e assegurando outro tipo de receitas para o futuro. É extraordinário o trabalho desenvolvido nesse aspecto nos últimos anos. Ninguém no seu perfeito juízo põe em causa esta necessidade ou põe em causa o mérito de Sequeira Nunes nesta matéria. Nem quer voltar a outros tempos de triste memória.
Mas esta estabilidade financeira manter-se-á, indefinidamente, se os resultados desportivos empurrarem de novo o nosso futebol sénior para a divisão inferior? Não estarão a afastar aqueles que, de uma forma ou de outra, contribuem para a saúde financeira do clube na sua globalidade? Sócios, simpatizantes, patrocinadores e receitas dos jogos televisionados?
Um clube sem os seus adeptos presentes e participativos não tem expressão, e arrisca-se a assistir de novo ao esvaziamento dos objectivos para os quais estas condições financeiras são essenciais. E doa a quem doer o futebol ainda é o grande motor de massas do clube, apesar do seu ecletismo insistente, louvável e raro nos dias que correm.
Não dispondo o Belenenses de recursos abundantes ou ilimitados como outros parecem ter, não defendo o despesismo cego e despreocupado. Defendo sim, com os actuais e possíveis recursos, que se profissionalize a gestão pelo menos da SAD. O amadorismo e a não remuneração levam à desresponsabilização que se vê nos resultados desportivos. Para que mesmo que venhamos a descer este ano à II liga, possam ser lançadas as bases de uma estrutura de gestão que seja capaz de garantir sucesso consistente nos anos vindouros e não estar dependente do treinador A ou B.
Tenho muita esperança no que vejo a nível de produção de valores nos escalões de formação. Mas temo que aconteça o mesmo que aconteceu a fornadas anteriores. Saem ou, ficando, são tapados por jogadores estrangeiros de segunda ou terceira categoria que tiveram a sorte de ter uma cassetezinha muito atractiva ou nem isso porque foram indicados ou colocados pelo empresário C ou D, antes de seguirem para o clube E.
Que se acarinhe e utilize a ‘cantera’ azul. Que se aproveite a qualidade do trabalho aí desenvolvido, numa perspectiva presente e futura e não se olhe para ela apenas quando não há dinheiro para comprar jogadores de fora com qualidade ou quando meia equipa está lesionada ou fora de forma.
Que não se deixe sair sem compensação mais jogadores como o Fajardo, o Carrasqueira, o Rui Duarte, e outros tantos que nem dei pela existência, e se aguentem jogadores que ainda temos e vamos criando, captando e formando, da qualidade do Rubén, do Eliseu e de outros tantos que penosamente, ano após ano, vemos sair tantas vezes para a reserva de clubes ‘maiores’.
Que se tente manter no clube, se a isso estiverem dispostos, jogadores que terminam a carreira e muito deram ao clube e que, pela sua postura e profissionalismo, se destacaram como símbolos e referências. Para permanecer numa posição em que possam transmitir a sua experiência e carisma aos jogadores mais novos e aos recém-chegados.
Que haja prospecção profissional de jogadores. Que quando se descobre um bom jogador nacional ou estrangeiro, não se dispense na mesma época para ir buscar e inscrever outros, sem qualidade demonstrada. Abandone-se de vez a técnica da cassete ou da espera por empresários que nos ‘oferecem’ jogadores. Deixemos de estar vulneráveis a um qualquer treinador (ou três na mesma época) que, de um momento para o outro, inverte a política do anterior e despacha uma fornada de jogadores alguns deles formados no clube e com valor comprovado ou potencial?
Noutro plano, a desadequação dos meios de comunicação com os adeptos e sócios é gritante. A excepção é o sítio oficial na Internet, mesmo algo limitado na sua interactividade, quiçá pelo risco de se tornar um canal de desabafo grosseiro ou incómodo para quem está na gestão. O que existe além disto é fruto da carolice de uns quantos dedicados adeptos que mantêm e participam em blogs, mailing lists, etc. e que dessa forma colmatam a ausência de informação desportiva na imprensa e mantém vivo o convívio e a discussão dos assuntos do clube.
Saúde-se ainda a dedicação de quem cria e fomenta núcleos e associações, que assim constituem mais um ponto de contacto com o clube e uma maneira sã de o viver dia-a-dia, sem fanatismos.

Com o devido respeito pelo actual presidente do clube e pela obra que deixa e oxalá possa e queira continuar, espero que no que respeita ao futebol, inverta a sua postura, brevemente, e entenda que é necessário evoluir para uma estrutura profissional, e convide alguém disponível para, noutros moldes, trabalhar para inverter o rumo. Com outras condições mas sem comprometer a estabilidade financeira. Alguém que torne o nosso futebol competitivo de novo, em todas as vertentes. E escalões. Para sairmos de uma vez por todas deste sobe e desce, de estar sujeitos aos caprichos individuais de quem quer que seja, jogadores, treinadores, dirigentes ou de pequenos grupos de ‘adeptos influentes’ ou de quaisquer outros interesses obscuros. Regulamentando internamente. Alguém que seja capaz de constituir uma equipa de gestão capaz de estruturar o futebol do Belenenses num negócio rentável e com resultados dignificantes.
Para que em termos desportivos haja muito orgulho do nosso passado glorioso, mas que sejamos capazes de continuar a criar novos marcos de referência para as sucessivas gerações vindouras.

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