Entrevista de Quaresma
Como quase todos vós sabem, o Quaresma é uma antiga glória Azul, tio do Quaresma "blaugrana", figura sempre presente e prestável no Estádio do Restelo. O que muitos desconhecem, é que o Quaresma é já uma figura incontornável do Núcleo Ajuda/Belém, onde aparece sempre ao fim da tarde para comer a sua sopa antes de ir para casa. E é uma grande honra poder assistir a jogos de futebol ao seu lado e ouvir os seus comentários (penso que ele nos faz tanta falta...). No Site Oficial descobri uma entrevista sua, ao "Mundo Desportivo", da autoria de Alberto Ferreira, e que a seguir reproduzo, na esperança que algum jogador azul e o Mister Inácio passem aqui pelo Blog e "acusem o toque" e compreendam que este clube é muito mais que um clube. Este clube é uma paixão!:
"Temos Belenenses. Não temos Belenenses. Os «pasteis» para a direita e para a esquerda. Pasteis, canela e açucar. «Matateu, cravo e canela». Acácio Rosa, saudosista Di Pace e Perez. Campeonato perdido no último minuto. Lágrimas nas Salésias, uma raiva tremenda do Martins, do Sporting. Fernando Vaz, Palico e Peres. A bola chutada da bandeirola de canto e que deu a volta ao Tejo antes de entrar na baliza do Benfica. Recordam-se ? E foi golo ou não foi, a bola saíu ou não saíu ?
Até há relativamente pouco tempo, o Belenenses, a gente belenense, vivia destas coisas, para distrair, para ajudar a «esquecer». Quando Carlos Serafim, partiu a perna, adeptos dos «azuis» modereram os lábios para não chorar. Era de mais. A família «azul» vive destas coisas. Lamúrias e fatalísmos. Um dia, um motorista de táxi declarou-me : «Eu já disse a um amigo meu que é do Belenenses : vocês adeptos dos «pasteis», mereciam uma estátua. Não ganham campeonatos mas continuam do Belenenses. Isto assim é bestial, é mesmo gostar, caramba!».
Era uma homenagem rudemente proferida mas de uma verdade transcendente, serena, poética e nobre. A gente do Belenenses não merece uma estátua : merece que a respeitem e isso representa um poema. Aprendê-lo-ão as crianças. O poema andará na boda do porvir.
Estas reflexões estou a fazê-las e, a espaços, também, a escrevê-las em Belém, nesta manhã de terça-feira. Belém, é um património curioso, multifacetado. A Torre. Os Jerónimos. O rio. O Restelo, o estádio, dispõe-se nas pontas dos pés, nessa pequena colina atrás dos Jerónimos. A Torre faz-me pensar em Capela, Vasco, Feliciano e Serafim. O Gomes também era alto. Só o Amaro destoava um pouco. Esse grande jogador em talento, em técnica de execução. Vi-o há dias, ao fim da tarde, no Rossio. O Amaro com cabelos brancos.
Estas ruas, algumas delas estreitas, sinuosas, cheiram a navegação e ao esforço de viver de muitas pessoas. São ruas que a «malta» do Belenenses trilha sem cessar. Passam por aqui os jogadores. Os miúdos apontam-nos. Nem sempre é cómodo ser-se jogador do Belenenses. Há piadas. Os risinhos. Mas, é-se qualquer coisa quando se é jogador do Belenenses. Estranha sensação que muitos jogadores, quase todos, têm dificuldades em explicar.
O Belenenses teve sempre jogadores com os quais o seu público se metia indevida e injustamente. O Narciso e o Teixeira da Silva aguentaram muita piada. Ultimamente, muitos adeptos entendiam que a culpa era do Quaresma, o defesa-central, hoje na linha média.
Vejo daqui a Junqueira. Penso nas Salésias. Nos defesas e nos médios, que o Belenenses tem tido. Vasco Oliveira, não virava a cara a ninguém. Nem nas Salésias, nem em parte alguma. Frade, Pinto de Almeida, o Rebelo, o Diamantino, jogaram na linha média. Feliciano, marcava as grandes penalidades com o pé esquerdo: era uma salva de canhão que podia ser utilizada nas cerimónias militares. O Belenenses devia estar agradecido ao Quaresma. Porquê ? Pensem só na maneira como o Belenenses vinha jogando nos últimos anos. Mais sobre a defesa do que outra coisa. Quaresma «esteve» em muitos dos golos sofridos ? Esteve, deve ter estado em alguns. Mas, evitou muitos. Foram mais os golos que evitou. Foram mais as tardes em que a sua presença na equipa belenense, no eixo da defesa, resultou positiva.
Quaresma está à minha frente :
- Eu ? Nasci precisamente aqui em Belém. Chamo-me Alfredo.
- Logo em Belém, Quaresma ! – disse-lhe eu.
- Nasci na Rua do Galvão. Sou mesmo daqui.
Era de perguntar. E perguntei :
- Quaresma, o que é que se sente quando se é jogador do Belenenses ?
O jogador «sentiu» a pergunta. E disse :
- Ser jogador do Belenenses é ter alegria de ser do Belenenses. Por vezes, essa alegria desaparece para deixar passar grandes tristezas. Não é muito fácil ser-se jogador do Belenenses mas, é bom ser do Belenenses.
Quaresma pensa e abandona o tema :
- Muitas vezes experimentei no Belenenses a imensa tristeza de não oferecer alegrias aos seus adeptos.
- Ouvia falar do êxito do Belenenses no campeonato nacional de 1946 ? – perguntei.
- Nessa ocasião eu só tinha três anos, mas depois lá fui ficando a conhecer a história desse título que o clube deseja ardentemente voltar a conquistar …
- Apenas quatro minutos ! Eu sei, eu sei. Por isso mesmo o maior desejo que guardo dentro de mim é não sair do Belenenses sem que o tenha ajudado a ser novamente campeão nacional. Seu que muitos sócios, adeptos e jogadores do Belenenses choraram de dor quando perdemos esse encontro com o Sporting, nas Salésias, a poucos minutos do final."
terça-feira, abril 20, 2004
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