quarta-feira, fevereiro 02, 2005

SÍNTESE DO PASSADO - PARTE III – A DÉCADA DE 60


Continuamos a fazer uma síntese do passado do clube, antes de chegarmos à caracterização do presente e ao que entendemos que deve ser o futuro.

Os tempos de poder e glória do Belenenses chegam ao fim com o início da década de 60, e muito acentuadamente, a partir de 1964, como veremos.

No entanto, os anos 60 até começaram bem para o Belenenses. Na última jornada do Campeonato de 59/60, em que ficámos em 3º lugar, fomos ganhar à Luz, quebrando a invencibilidade ao Benfica, e remetendo ao ridículo as faixas de “campeão invicto” preparadas pelos encarnados. Depois, conquistámos, pela 2ª vez, a Taça de Portugal, batendo por 2-1 o Sporting (que até marcou primeiro) na final (realizada em 3 de Julho de 1960).

Seguidamente, em Setembro de 1960, no início de uma nova época, as coisas pareciam continuar de vento em popa, em termos futebolísticos, ao reeditarmos a vitória na Taça de Honra (que também conquistáramos no ano anterior). Julga-se frequentemente que vencemos o Benfica por 5-0 na final. Não foi assim. Ganhámos, é verdade, ao Benfica, e pelos tais 5-0 (e tenhamos em conta que, 8 ou 9 meses depois, o Benfica seria campeão europeu...) nas meias-finais. Quanto à final, foi disputada com o Atlético (que eliminara o Sporting), e vencemos por 2-0. O resto da época de 60/61, entretanto, não esteve à altura desse início tão prometedor, embora tenhamos chegado às meias finais da Taça de Portugal. No Campeonato, ficámos num 5º lugar, o que na altura era péssimo para o Belenenses (hoje estamos em 10º e há quem esteja contente...incrível!): tinha que se recuar uma década para encontrar um campeonato tão mau (veja-se o artigo anterior, sobre as décadas de 40 e 50, publicado em 4 de Janeiro).

Voltemos um pouco atrás, para percebermos melhor a grandeza relativa do Belenenses no fim dos anos 50 e início dos anos 60. Aquando da nossa vitória na Taça de Portugal de 1960, foi considerado um acontecimento de grande relevo o facto de, nesse jogo final, o Estádio Nacional ter transbordado de público (cerca de 60 000 pessoas), ocupando os adeptos azuis a sua metade do estádio. Até então, havia o mito de que o Jamor só esgotava em encontros da Selecção Nacional ou em jogos entre o Benfica e o Sporting. Relembre-se que na década de 50, tinham havido três finais da Taça entre o Benfica e o F.C.Porto (e uma entre Sporting e V.Setúbal) no Estádio Nacional, e muitos encontros para o Campeonato Nacional entre Sporting e F.C.Porto ou Benfica e F.C.Porto no mesmo recinto. Embora atrás de Benfica e Sporting, a grandeza do Belenenses, até em número de adeptos era, pois, indiscutível.

Já agora, em 1960, o Benfica tinha cerca de 30.000 sócios; o Sporting, 17.500; o Belenenses 10.500. Ou seja, entre os três grandes de Lisboa, o Belenenses tinha cerca de 20% de adeptos (hoje, andará pelos 5%). E repare-se que, em 1960, o número de sócios belenenses nem estava em alta. Em 1956, aquando da inauguração do Restelo, tínhamos já chegado aos 14.500, número para a época (e quando os sócios eram adeptos presentes regularmente no futebol) verdadeiramente impressivo. Se tivermos em conta que, no início de 1967, quando a Junta Directiva constituída por Acácio Rosa, Gouveia da Veiga e Coelho da Fonseca tomou conta dos destinos do clube, os sócios só já eram 7.932, podemos ter uma noção muito aguda da erosão tremenda que o clube sofreu no espaço de uma década. E isso sucedeu, precisa e tristemente, quando as massas associativas do Benfica e do Sporting, em particular por causa dos seus sucessos europeus, davam grandes saltos em frente, cavando um fosso que não cessa de acentuar-se.

Em termos futebolísticos, o percurso do Belenenses, durante a década de 60 é a de um decaimento quase constante, que levou à separação clara entre dois tipos de adeptos: os que, passada a época de sucessos, abandonaram (é verdade, abandonaram mesmo!); os que mais arreigaram, de forma que se tornou proverbial, o seu Belenensismo.

Até 1964, embora sem brilho, o futebol do Belenenses ainda se aguentou num plano razoável.

Assim, há a registar as 5 presenças consecutivas nas meias finais da Taça de Portugal, entre 59/60 e 63/6, série que só é ultrapassada pelo Sporting.

Quanto ao Campeonato, tivemos as seguintes classificações:

60/61 – 5º lugar, com 12 vitórias, 4 empates e 10 derrotas, 45-37 em golos, e 28 pontos (na altura, as vitórias valiam 2 pontos). O 4º foi o V.Guimarães (pela 1ª vez à nossa frente) com 30, e o 3º o F.C.Porto com 33.

61/62 – 5º lugar, com 12 vitórias, 7 empates e 7 derrotas, 51-35 em golos e 31 pontos. O 4º foi a CUF (pela 1º vez à nossa frente) com 33 e o 3º o Benfica com 36.

62/63 – 4º lugar, com 16 vitórias, 4 empates e 6 derrotas, 47-30 em golos e 36 pontos. O Sporting foi 3º com 38, o f.c.Porto 2º, com 42, o Benfica, 1º com 48.

63/64 – 6º lugar, com 12 vitórias, 6 empates e 8 derrotas, 46-36 em golos, e 30 pontos. O 5º foi a CUF, também com 30, o 4º, o V.Guimarães com 34, o 3º, o Sporting, também 34. Repare-se que, mesmo neste ano, ainda ficámos perto do 3º mas já começávamos a cair...

Em 4 de Setembro de 1961, estreámo-nos na Taça das Cidades com Feira (antecessora da Taça UEFA), e auspiciosamente, com um empate 3-3 na Escócia, contra o Hibernian. Podíamos aí ter resolvido a eliminatória, pois estivemos a ganhar por 3-0. O nosso amigo Álvaro Antunes fez o favor de nos emprestar um resumo de 20 minutos que se pode adquirir ao Hibernian (nós infelizmente, não temos essas coisas – e muito faz a D. Ana Linheiro!); pode ver-se o entusiasmo e estupefacção dos escoceses com Matateu (aos 34 anos!) e Yaúca. Na 2ª mão, no Restelo, baqueámos por 3-1.

Na época de 62/63, na mesma competição, o sorteio ditou-nos o Barcelona. Apesar do poderio do adversário, o Belenenses bateu-se de igual para igual, empatando 1-1, tanto no Restelo (1ª mão), como em Barcelona.A nossa dramática situação financeira levou-nos a aceitar, por 500 contos (ao tempo, um valor muito elevado), que o 3º jogo, de desempate, se disputasse também em Barcelona. Perdemos 3-2.

Em 63/64, fomos mais longe. Na 1ª eliminatória, ultrapassámos o Tresnjevka, com vitórias por 2-0 (na Jugoslávia) e 2-1 (no Restelo). Seguiu-se, nos oitavos de final, o Roma. Na 1ª mão, em Itália, perdemos por 2-1, sofrendo o golo da derrota a 4 minutos do fim. Em casa, voltámos a perder, agora por 1-0. Rezam as crónicas que em ambos os jogos fomos muito prejudicados pela arbitragem.

Finalmente, em 64/65, face ao Shelbourne, da Irlanda, empatámos 1-1 no Restelo e 0-0 em Dublin. Como na altura não havia a regra do golo fora para desempatar, nem o recurso a grandes penalidades, mais uma vez nos sujeitámos a que o 3º jogo fosse disputado em casa do nosso adversário. Perdemos por 2-1 e dissemos adeus às competições europeias até 1973 – uma eternidade que nos custou muito caro em termos de popularidade.


A partir de 1964, como já afirmámos, as classificações no Futebol baixaram em flecha:

64/65 – 8º lugar ( e uma derrota 6-0 com o Benfica no Restelo, significativa dos maus novos tempos...)
65/66 – 7º lugar
66/67 – 11º lugar (e o 1º susto...)
67/68 – 7º lugar
68/69 – 8º lugar
69/70 – 7º lugar (só com 23 golos marcados... Já agora, a título de curiosidade e de comparação, lembremos que em 1945, no espaço de uma semana, marcámos 29 golos, vencendo a Académica por 15-2 e o Salgueiros por 14-1, respectivamente em 1 e 8 de Abril)!

Até nas modalidades extra-futebol há uma queda, apesar de alguns títulos nacionais seniores (v.g., 1963 – Campeonato Nacional de Râguebi; 1964 – Taça de Portugal em Râguebi; 1970 – Campeonato Nacional de Halterofilismo) e de muitos outros nas idades mais jovens ou nas competições regionais, da proeza de José Freitas, em 1962, ao bater o Record mundial da Travessia de Gibraltar a nado, e das inúmeras conquistas do Andebol nas camadas jovens (veja-se a Agenda osBelenenses 2005...), que se viriam a repercutir em Campeonatos (e Taças) no escalão sénior, nas décadas seguintes.

Toda esta queda se deve, bem entendido, ao dramático problema do Estádio, com todas as consequências financeiras e não só, e ao qual aludimos detalhadamente no nosso artigo “O Estádio do Restelo – Como o Belenenses o Merece”, publicado aqui em 13 de Julho. Além dos vexames a que fomos sujeitos – as taças empacotadas à porta da rua... -, os encargos financeiros pesadíssimos (depois, e sobretudo antes do resgate do Estádio), e a desmoralização provocada nos menos lutadores, tiveram um efeito tremendo no clube, e isso exactamente quando o Benfica e o Sporting embalavam por aí fora, com as competições europeias, a televisão, a maior repercussão mediática. A década de 60 foi, pois, tremenda para o Belenenses. E talvez, sem desprimor, em alguns momentos, nos tenham faltado dirigentes de maior têmpera, como os de outros tempos. Curiosamente, Francisco Soares da Cunha, “o homem do estádio” morre justamente em 1961, no ano do resgate – como se ele morresse com o estádio. E que falta pode ter feito!

No Futebol, é provável que se tenha dormido tempo de mais à sombra de Matateu. Ele não poderia eternamente resolver tudo... Não preparar o futuro sai sempre caro! Julgo que se falhou nesse ponto, como, já agora, se falhou (apesar do esforço de Acácio Rosa – quem havia de ser?) em não ter criado as condições para que Matateu permanecesse sempre ligado ao clube.

Talvez a salvação do clube tenha dependido em muito do trabalho da já referida Junta Directiva entre 1967 e 1969 e, ainda, da campanha de assinaturas espoletada no Brasil por Salustiniano Lopes (mais de 50 mil assinaturas!) pedindo a devolução da posse do Estádio ao Belenenses. Deve notar-se que foi também nessa altura que a massa associativa voltou a crescer, ultrapassando o número de 19.000 em 1970. Só que, como veremos no próximo artigo, em termos desportivos, o resultado da sua acção, até em termos de aposta na formação, só se viria a repercutir a partir de 1972. E os bons tempos, então, só duraram 4 anos (de 1972 a 1976)...

Gostávamos de deixar uma nota que consideramos muito importante. A partir de certa altura, na transição dos anos 50 para os 60, nota-se uma mudança no estilo dos jornais do clube. Deixa de haver exigência como antes. O medíocre passa a ser aceitável, o assim-assim passa a ser excelente. O Belenenses torna-se menos combativos. Parece haver uma espécie de horror à populaça, às multidões (tal como hoje, não há a preocupação de ser popular, de captar fotografias de público e do seu colorido...). A ênfase passa a estar posta no discurso do Senhor Doutor ou do Senhor Almirante tal. A colagem ao poder, até político, é manifesto. È verdade que era comum na época. É verdade que a tentativa de resolver o problema do Estádio tudo condicionava. Mas foi um erro – mais a mais, justamente quando a contestação ao regime salazarista vai subir de tom: a campanha de Humberto Delgado, as guerras coloniais, a “primavera” marcelista... A partir de certa altura, filhos de belenenses são contra o Belenenses porque isso é sinónimo de rebeldia, de irreverência, de contestação. Se para os mais velhos, o Belenenses continuava a ser um clube respeitado de chapéu na mão, que um Sebastião-Matateu reencarnado haveria de fazer ressurgir, para os jovens, o Belenenses torna-se um clube parolo e detestável, que ficava bem desafiar e, se possível, humilhar. Foi um grande erro. Pensemos nisto, porque, ao contrário do que se possa pensar, o problema, de outra forma, está em aberto. Que Belenenses queremos? O Belenenses acomodado, sem preocupação de ser popular, com o estádio deserto e sem reagir, satisfeitozinho sem ter razão para tal, subserviente aos seus antigos rivais (aqueles cuja rivalidade o fez crescer e assomar-se) – em resumo, um Belenenseszinho cinzento? Ou um Belenenses alegre e popular, inconformado, que atrai em vez de repelir a juventude (e a força e a alegria), um Belenenses lutador, indomável, rebelde e desafiador, como o quiseram Artur José Pereira e os outros fundadores, como eram Augusto Silva, Amaro, as Torres de Belém? Que diria Artur José Pereira de quatro jogadores emprestados pelo Benfica e pelo Sporting (pelo Benfica e pelo Sporting!!!)? Que diria ele de dirigentes nossos a falar dos três grandes? Que diria ele de adeptos de braços cruzados nas bancadas? Que bom seria se se pensasse mais nisto, e menos nas coisas efémeras deste ou daquele jogo...

Sem comentários: