Artigo da autoria de Manuel Benavente
Ouço: o F.C.Porto despede o treinador Fernandez e vai contratar o treinador Couceiro do V. Setúbal.
Ouço um jornalista dando a novidade ao treinador Couceiro no Estádio de Alvalade, o qual diz desconhecer o interesse do Porto mas que a ser verdade iria em passo de corrida. E ouço ainda o presidente do V. Setúbal, Chumbita Nunes, no dia seguinte dizendo-se orgulhoso do presidente do F.C. Porto ter escolhido Couceiro como seu preferido. Por fim, ouço o presidente do F.C.Porto, Pinto da Costa, contando que no jogo da primeira volta, em Setúbal, trocara de gravata com José Couceiro, dizendo-lhe que ainda haveria de ser treinador do Porto.
Constatei depois uma total unânimidade em redor da súbita passagem de Couceiro para treinador do F.C.Porto, sem ninguém pôr em causa este estranho processo de mudar de treinador numa competição profissional – a mais importante do futebol português -, em que no espaço de quarenta e oito horas um homem muda de entidade patronal com a orgulhosa aquiescência desta, por amor a uma gravata e à grandeza do F.C.Porto.
Constatei depois uma total unânimidade em redor da súbita passagem de Couceiro para treinador do F.C.Porto, sem ninguém pôr em causa este estranho processo de mudar de treinador numa competição profissional – a mais importante do futebol português -, em que no espaço de quarenta e oito horas um homem muda de entidade patronal com a orgulhosa aquiescência desta, por amor a uma gravata e à grandeza do F.C.Porto.
Primeiro, porém, aviso já, que tenho a melhor das opiniões pela competência técnica do treinador José Couceiro e que lhe desculpo alguma falta de ética nas declarações proferidas no Estádio de Alvalade – perdão, mas para mim enquanto o Sporting estiver em Alvalade, será sempre Alvalade! -, tendo em atenção os seus verdes anos de treinador de futebol.
O que porém está aqui em causa, muito mais que o treinador Couceiro, que o presidente Chumbita ou que o presidente Pinto da Costa, é a forma como todos estes personagens se relacionam entre si, num campeonato profissional de futebol, em que todos são iguais em direitos e deveres, mas em que há uns mais iguais que outros.
Com certeza que o V. Setúbal não saíu desta história de mãos a abanar; decerto Couceiro vai ser devidamente indemnizado por passar toda a sua vida particular no espaço de quarenta e oito horas (!) da Grande Lisboa, para o Grande Porto. Mas espanta como a prepotência do mais forte pisca o olho a quem lhe apetece, declarando com alguma solenidade estar a protagonizar o último acto de uma peça, que tinha começado com a oferta de uma gravata… E muito mais: que a comunicação social não denuncie esta estranha forma de vida…, demonstrando que o vírus do compadrio, anestesia a própria opinião pública, a qual na sua génese ética deveria estar bem vigilante.
Mais: o V. Setúbal está a realizar um excelente campeonato com um plantel de vinte e cinco tostões e até com vencimentos em atraso, estando a escassos seis pontos do próprio F.C.Porto! Mas em Portugal todos nós sabemos que o V.Setúbal não pode aspirar a muito mais do que está a realizar. A aspiração máxima do V.Setúbal e da esmagadora maioria dos clubes da 1ª Divisão é protelar ao máximo a descida aos infernos da 2ª Divisão, aí sim, reside a grande vitória. A falta de transparência é tanta, que não interessa nada dos objectivos classificativos do V. Setúbal, o qual à décima nona jornada, continuava potencialmente a ser candidato ao título ou pelo menos a um lugar na Liga dos Campeões Europeus. Qual seria a indemnização a arbitrar ao V.Setúbal, por desperdiçar esta ocasião única de inscrever o seu nome em vencedor do campeonato ou de estar presente na Liga dos Campeões do próximo ano? Meus amigos, tal desperdício, tal demissão não tem preço e a verdade é que o V.Setúbal ao alienar o comandante dos seus vinte ou trinta jogadores, abdicou do mais importante numa competição desportiva, como na vida: lutar!
Porque na verdade neste ambiente competitivo falseado, em que uns desistem de lutar com os outros, o mais importante é mesmo “não descer”, sendo conveniente para isso que os mais fracos abram o caminho aos mais fortes.
E enquanto esta nossa mediocridade existir, e para que os mais fracos abram o caminho aos mais fortes, sem querer emitir qualquer juízo de valor sobre a bondade da arbitragem, não nos podemos admirar de um cartão amarelo, ou vermelho, ser mostrado com muito mais facilidade a um jogador do V. Setúbal, do que a outro de um clube mais poderoso. Não nos podemos admirar de um árbitro entender que não deve mostrar um cartão a um jogador porque só se joga há três minutos e outro mostrá-lo precisamente pelo mesmo motivo. Não nos podemos admirar de um árbitro entender que não vale a pena expulsar um jogador porque o jogo está quase no fim, e outro não expulsá-lo porque o jogo está quase no princípio. Não nos podemos admirar de um árbitro validar um golo que não viu e outro não validar um golo que lhe pareceu ver. Porque os árbitros são agentes do futebol profissional, como os dirigentes e os treinadores, e vivem neste ambiente inquinado em que uns nasceram para ficar em último lugar e outros em primeiro. Mais: aos árbitros é-lhes conferido o poder da subjectividade, da arbitrariedade e da discricionaridade, porque assim convém a quem convém. Como se pode condenar um árbitro que não vê um fora de jogo – que hoje por hoje quantas vezes pode valer para aí um milhão de contos a um clube poderoso...- se está já provado que o ser humano é incapaz de julgar tal fenómeno com uma normal eficiência?
O futebol profissional está na verdade doente e este caso passado com o presidente do V. Setúbal, com o treinador Couceiro e com o presidente do F.C. Porto demonstra-o à saciedade.
Como calculam, foi de propósito que deixei os jogadores fora desta engrenagem, pois na verdade eles ganhando fortunas ou misérias e investindo ou dissipando o futuro, são a saúde do futebol, pois correm, saltam, defendem, goleiam, enfim são verdadeiros actores da vida real.
E eu vejo-me a meditar, que não sendo propriamente um admirador do treinador Mourinho, bem pelo contrário, ele foi uma pedra no charco, não pelas suas vitórias, mas pela sua desfaçatez, que mostrou por caminhos errados, como o rei aqui vai nú.
Na verdade o F.C.Porto não seria o que é sem o seu presidente, teria muito menos vitórias decerto, mas o futebol português, sem o presidente do F.C.Porto, também não seria o que é, teria muito menos derrotas, sobretudo éticas, com certeza.
O culpado disto tudo é o senhor Pinto da Costa? Nem por sombras, nós todos é que criamos as condições para que pessoas assim, medrem e julguem que mandam em nós.
Por este andar e para lá de ver Pinto da Costa não sei quantas vezes mais campeão de futebol, ainda não perdi a esperança de o ver discutindo a desconstrução de Derrida com Eduardo Prado Coelho...
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