quinta-feira, fevereiro 03, 2005

ELEIÇÕES - REFRESCANDO A MEMÓRIA...

Artigo da autoria de Eduardo Torres

Considero muito importantes as próximas eleições para os órgãos sociais, pois está em causa, como sempre, o futuro do clube; mas, no ponto a que chegámos, julgo que está mesmo em causa a sobrevivência do Belenenses enquanto clube com expressão. De facto, cada dia – sim, cada dia! - que passa o Belenenses vem perdendo projecção.

No âmbito dos artigos de 4ª feira, ou seja, da série “Entre o Passado e o Futuro, apresentarei brevemente, de acordo com a lógica sequência dos textos, um conjunto de ideias integradas que me parecem dever ser as linhas de rumo para o futuro.

Hoje, gostaria apenas de salientar um ponto que reputo extremamente relevante para nos perspectivarmos: a alma e a imagem que o Belenenses projectará de si são o que de mais importante um candidato deve dar ao Belenenses, só depois vindo a gestão concreta. E é a capacidade (ou não) de devolver ao clube uma mística à Belém, arredia há décadas, o grande factor de diferenciação entre candidaturas boas e candidaturas medíocres. Logo em seguida, vêm a coerência das propostas, ou seja, até que ponto se apresentam os meios e os métodos para chegar aos objectivos anunciados.

As possibilidades de fazermos uma escolha errada não devem nunca ser negligenciadas. Se tal acontecer, então, por uma questão de coerência e responsabilização, tenhamos em conta que seremos nós próprios, os sócios, os verdadeiros culpados do que de mau se passar. Já houve escolhas erradas, com consequência muito nocivas – desastrosas mesmo – para o clube. Para evitarmos os mesmos erros, devemos refrescar a memória sobre o que se passou. Devo dizer que o que se passou nas campanhas eleitorais de então é bem diferente do que as pessoas estão convencidas – ou do que alguns querem fazer acreditar – que realmente aconteceu e foi dito. Mesmo muito diferente! E isso pode ser demonstrado – com factos e documentos, e não com suposições erróneas...

Durante anos, no Belenenses, como na generalidade dos clubes, só havia uma lista candidata (e às vezes, era bem difícil arranjar essa lista...), pelo que as eleições verdadeiramente disputadas começaram em 1990. Nos actos eleitorais desde então decorridos, houve duas escolhas desastrosas:

- Logo em 1990, a eleição de Ferreira de Matos /Joaquim Cabrita (pouco tempo depois, Ferreira de Matos foi marginalizado e o verdadeiro líder era o Vice-Presidente Joaquim Cabrita).
- Em 1994, a eleição de José António Matias.


Convém esclarecer que cada tenho, em termos pessoais, contra José António Matias, Joaquim Cabrita ou o Major Ferreira de Matos. Este, último, que aliás acabou por ser vítima dos próprios companheiros de direcção, parece-me mesmo uma excelente pessoa. Por outro lado, em artigos anteriores, até já escrevi que J. A. Matias foi culpabilizado demais. Não discuto que quisessem o melhor para o Belenenses. Agora, coisa diferente é que acho que as ideias deles eram de todo inadequadas para o clube - e achei isso desde o primeiro momento. Não votei neles, e fiquei até muitíssimo aborrecido com a sua eleição, contrariamente a pessoas que depois os criticaram muito. E é justamente por se criticar tanto o José António Matias (infelizmente a memória e o conhecimento é curto e quase ninguém se lembra de Ferreira de Matos/Cabrita, que foi ainda pior! Um ano e pouco depois da vitória na Taça de Portugal, fomos empurrados para a 2ª divisão, cheio de dívidas, depois de uma sucessão interminável de decisões e episódios ridículos), que eu gostava de lembrar como é que as coisas aconteceram.

A versão enraizada é a de que se fizeram promessas megalómanas (por exemplo, grandes contratações, anúncios de grandes sucessos no futebol...). Não foi assim! Podemos demonstrar que não foi assim! E é importante fazê-lo, porque, caso contrário, estaremos prevenidos para um perigo que não é perigo nenhum, e alheios a outros riscos, esses sim, bem reais. Dito isto, gostava de deixar algumas considerações, que tentarei formular o mais sinteticamente possível:

1. Não vale a pena julgarmos que estamos prevenidos contra aventureiros e vendedores de banha da cobra só porque desconfiamos de quem faz promessas e acreditamos, sim, em quem diz que não faz promessas. Isso não é salvaguarda nenhuma. Na verdade, em 1990, no mais catastrófico resultado de eleições no Belenenses, com a eleição de Ferreira de Matos / Cabrita (que deram uma grande e definitiva machadada num Belenenses que estava a voltar a levantar a cabeça) um dos slogans da candidatura vencedora foi justamente o discurso contra as promessas. Tenho documentos sobre isso, que já fiz reproduzir no blog do Belenenses, e que podem ser encontrados em artigo publicado em 10 de Agosto.

Num jornal de campanha dessa candidatura, que veio a ser vencedora, podia ler-se isto:

“PROMESSAS?


Dizem os mais avisados que de promessas está o mundo cheio! Prometer o Céu e a Terra, mundos e fundos, já não surpreende ninguém. Cumprir as promessas, levar as suas ideias até à sua concretização é que constitui o maior problema. Aquelas dizem respeito a sonhos realizáveis, possivelmente atingidos com algum esforço, porque, se o não exigir, também não são promessas que se façam nos nossos dias; as outras, as ‘tais’, essas, são do mundo do sonho fantástico, moram paredes meias com o inatingível, são megalómanas, feitas para adormecer meninos, encantar visionários, enganar consciências simples.

A megalomania é uma arma que alguns usam apontada aos incautos, indefesos, aqueles que não possuem o acesso à informação das possibilidades do clube e que não podem avaliar dificuldades.

Em época de campanha eleitoral passou a ser hábito, em Portugal, os clubes fazerem o anúncio de medidas eleitoralistas. Vale sempre mais, no jogo da caça ao voto, anunciar a contratação duma ‘estrela’ de futebol do que falar em medidas de fundo da valorização do clube, da sua organização ou do seu património. O que importa é o nome do ponta de lança que vai marcar vinte golos por época, do médio que vai resolver o problema do nosso meio campo, ou do treinador que, com novas tácticas e algumas ‘quimbandices’, nos vai oferecer vitórias todas as semanas.

Começa em época eleitoral, a busca incessante de estrelas a contratar. Movimentam-se os empresários que oferecem a sua mercadoria – algumas vezes gato por lebre – analisam-se vídeos, anunciam-se intenções e, para não falhar muito, enfiam-se alguns barretes. Mas a isto já o adepto da bola está habituado. Houve que estabelecer outras estratégias.

A eleição vai concorrida, os candidatos surgem a granel e os votos são cada vez mais apetecidos”. (etc.)


Meses depois de escritas estas palavras, o Belenenses, carregado de dívidas, estava na 2ª divisão, para onde foi lançado pelas pessoas que as escreveram!

2. Portanto, não vale a pena ficarmos muito contentes connosco próprios porque estamos alerta contra quem vem prometer contratar grandes estrelas para o futebol, porque nunca ninguém ganhou eleições no Belenenses com base nisso. Repito: NUNCA! Se compararmos as paupérrimas e ridículas promessas que são feitas em eleições no Belenenses com as que são feitas noutro clubes, pessoalmente, e ao contrário de outras pessoas, não encontro motivo de satisfação: até a nossa demagogia, até as nossas promessas, até os nossos sonhos são (já) pequeninhos!

3. Então não foi com base nessas promessas megalómanas que José António Matias ganhou as eleições em 1994? Não, não foi, de maneira nenhuma. Isso é mais um mito que se criou mas que não tem nenhum fundamento real. Ele ganhou as eleições com base, sim, no cavalo de batalha de que ia vender o Emerson ao F.C.Porto (eu sou inteiramente contra que se venda bons jogadores nossos a clubes portugueses!), assim recebendo umas contrapartidas, entre as quais vários emprestados. Os sinais que tanto F.Matos como J.Matias deram foi de FALTA DE AMBIÇÃO... de menoridade, de objectivos pequeninos. Sim, o nosso problema não tem sido a ambição mas, sim, a falta dela!

4. E dito isto, espero que os entusiastas ou defensores dos empréstimos (por três clubes que sabemos...) ou da vinda de brincas na areia ou coxos (dos mesmos 3 clubes) não se esqueçam que em ambos os casos (Ferreira de Matos e Matias) a grande medida que logo implementaram para o futebol foi recorrer a emprestados ou a vedetas já semi-reformadas daqueles 3 clubes que sabemos, desse modo assumindo a consequente vassalagem. No caso de F.Matos Cabrita, vieram Morato (verdade seja dita, profissional muito digno!) e Raudnei do F.C.Porto, e Chalana, do Benfica (sujeitando-nos à vergonha humilhante de os jornais nos passarem a tratar por “o clube de Chalana” ou colocarem como título “Chalana perdeu”). No caso de J.A.Matias, vieram 2 emprestados do F.C.Porto e 2 do Benfica (Bruno Caires e Nuno Afonso, lembram-se?). NÂO NOS ESQUEÇAMOS DESSAS EUFORIAS DOS EMPRÉSTIMOS E NO QUE DERAM! Ah – perguntarão - mas então o Matias não foi aquele que gastou o dinheiro que tínhamos e não tínhamos (e se calhar até o seu, sejamos justos!) a contratar o Giovanella e o Catanha e o Pacheco (grande vergonha, um jogador que tratara o Belenenses abaixo de cão!) e mais não sei quantas vedetas e que até era muito ambicioso? Bem, isso foi no 2º ano da gestão Matias. É que houve um 1º ano, o que quase sempre se esquece, e é pena. E, nesse 1º ano, enfiámos mais um barrete com a venda do Emerson, que no Porto valeu muito mais do que os jogadores todos juntos que de lá vieram em troca, e que ainda foi vendido para Inglaterra por milhões (e não se atire pedras a Pinto da Costa: ele não nos obrigou a fazer o negócio; nós é que vestimos a pele dos coitadinhos-que-não-queremos-cortar-as-pernas-a-ninguém-e-dizemos-amén-à-vontades-dos-tod-poderosos, nós é que fomos trouxas). Em vez do grande jogador que era Emerson, ficámos com um carregamento de emprestados, com os péssimos resultados que essas experiências sempre têm. Salvámo-nos da descida na penúltima jornada (com métodos vergonhosos, lembram-se?) com a 2ª pior classificação de sempre.

5. Espero que os optimistas-sem-razão-para-estarem-optimistas não se esqueçam que foi com o discurso do optimismo, com o discurso de não podemos ser pessimistas (sempre que se procurava pôr a nu os problemas do clube...) para não prejudicamos as equipas, que Matias e Ferreira de Matos ganharam as eleições.

Nunca me esquecerei do debate televisivo entre Ferreira de Matos e Baptista da Silva (votei neste último, claro!). Ferreira Matos durante todo o tempo repetiu incessantemente 3 ou 4 frases: “Não vamos começar a dizer mal…”, “é preciso é confiança e optimismo”, “Numa reunião em que o senhor esteve presente com mais 20 sócios, ficou decidido que eu iria ser o Presidente do Belenenses, por isso tem que ser!”. E, face a isto, Baptista da Silva quase não consegui acabar uma frase para explanar uma ideia. Exemplo: visto que tínhamos passado às meias-finais da Taça, Baptista da Silva começou uma frase dizendo “Se o Belenenses ganhar a Taça de Portugal…” e ia a expor a ideia. Mas não conseguiu, pois logo F.Matos interrompeu: “Mas não tenha dúvida de que ganhamos. Nós estamos a 180 minutos de ganhar!…”. Baptista da Silva tentava novamente explicar e logo tornava F.Matos “mas não diga ‘se’. Temos que ser optimistas. A vitória está certa. Eu tenho pensamento positivo e assim ganhamos!” (Ironicamente, estávamos a ganhar a meia-final, até ele aterrar no Estádio do Restelo, como já disse em outros artigos). Outro exemplo: Baptista da Silva dizia “Não podem acontecer situações como…” e logo F.Matos interrompia ”mas não vamos começar a dizer mal…”. E foi todo o tempo assim!

Eu penso que o optimismo e a confiança são coisas muito saudáveis mas depois e não antes de se ter feito tudo o possível para as coisas correrem bem, não regateando qualquer esforço, com inteligência e dedicação. Caso contrário, é um mero chavão, uma atitude comodista ou uma panaceia usada por quem não sabe fazer melhor.
6. Espero que não se esqueça que ambos (F.Matos e Matias) vieram com o discurso de enterrar o passado, de que já não estamos nos anos 40, de que os nossos adversários representam todo um passado que os sócios vão julgar, etc. Veja-se a entrevista de Matias ao Jornal do Belenenses na campanha de 1994. Vejam-se as declarações de Joaquim Cabrita, em 1990, a um jornal desportivo: “Os sócios saberão julgar todo um passado duvidoso de Baptistas [da Silva] e Ferreiras”. O Matias, já Presidente, nem foi ao funeral do Acácio Rosa, um homem que deu tanto ao Belenenses, a quem terá amado mais do que ninguém, e que tinha 70 anos de sócio! É por estas e por outras que quando eu oiço / leio coisas como “é preciso enterrar o passado” e “julgam que ainda estamos nos anos 40? Actualizem-se, meus caros!”, fico doente. Não que eu não ache que há um passado a eliminar – só que esse é mais recente, e foi justamente o protagonizado pelos autoproclamados enterras do passado! Não que eu não julgue que não é preciso actualizarmo-nos – é urgente, mas a sério, não com frases pomposas de gestão empresarial destituídas de conteúdo.

7. E a propósito de gestões empresariais, seria bom que nos lembrássemos que foi com slogans desse tipo que F.Matos / Cabrita e Matias ganharam, primeiro, e nos afundaram, depois. Mais uma vez, leiam-se as entrevistas de Matias em 93 e 94. Recorde-se o lema da candidatura F.Matos /Cabrita: “Empresa-desporto-espectáculo” (e que grande e triste espectáculo, com tantos episódios ridículos que protagonizaram e que tristes resultados desportivos advieram do matraquear das palavras “empresa” e “empresarial”). Eu sou a favor de uma gestão rigorosa e eficiente; sou a favor da profissionalização (e consequente responsabilização) de certos cargos; sou a favor de parcerias financeiras fortes e vantajosas. Mas sou contra o vento de frieza e sem alma (que também leva às bancadas quase desertas e que tudo gela e faz hibernar), ali onde, antes de tudo, é necessário, isso sim, revitalizar a IDENTIDADE DO CLUBE. 8. Disse tudo isto, porque face ao que oiço nas bancadas e leio em blogs, vejo muita gente a repetir exactamente o que J.A Matias e Ferreira de Matos disseram e defendiam. E isso significa o quê? Que facilmente esses sócios cometeriam o mesmo erro! Meus amigos, não vamos em frases feitas! Não acreditemos no que a alguns convém que acreditemos! Repensemos a coisas, não vamos atrás da carneirada, não confundamos aventureirismo parolo (indesejável) com ambição lúcida (desejável), para não comprometermos ainda maiso futuro do nosso clube.

9. E para finalizar: tenhamos sempre em conta, como bom critério, quem mostrou vontade e capacidade para trabalhar, e quem só aparece uma vez por outra, regra geral para “a fotografia”!

Sem comentários: