O mundo hattrickiano
Dão entrevistas e vendem jogadores. É assim a vida dos 35 mil treinadores portugueses do “maior” jogo online
Numa noite do ultimo Verão, João Mendes, 24 anos, estava em plena cavaqueira com os amigos, numa discoteca de Vilamoura, no Algarve. De reprente foi interrompido por um grupo de desconhecidos. “Grande Mendes! Parabéns pelo título”, disseram ao finalista do curso de Engenharia Civil, que virara “figura publica”, após algumas entrevistas a jornais virtuais.
João Mendes sagrou-se, pela quarta vez, campeão da Super Liga Portuguesa, no jogo online de futebol Hattrick (www.hattrick.org) , que conta com mais de 35 mil utilizadores em Portugal e 700 mil no resto do mundo. “Os jogadores e técnicos estão de parabéns. Queria agradecer a todos os que me têm apoiado e acreditado no Belenenses”, disse, na sua ultima conferencia de imprensa.
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Agora, o campeão passa as tardes sentado no computador, a responder a mensagens enviadas dos quatro cantos do mundo. Todos querem desvendar a formula do sucesso: quanto dinheiro se deve investir nas camadas jovens? Qual a melhor táctica? Quantos lugares deve ter um estádio? Estas são algumas das estratégias que é preciso dominar para vingar no Hattrick.
Negócios batoteiros
O jogo surgiu em 1997, inventado pelo sueco Bjorn Holmer, quando tentava dar utilidade a um novo software de base de dados e decidiu criar um programa em que se simulava a gestão de uma equipa de futebol. O jogador faz de proprietário de um clube e de treinador, controlando salários, transferências, patrocinadores, tácticas e até a arquitectura do estádio.
O projecto nasceu sem fins lucrativos, mas é, actualmente, gerido por uma empresa sueca criada por Holmer e tem fãs em mais de cem países, tão longínquos como Cabo Verde, Paquistão ou Japão. “A grande vantagem é a interactividade entre utilizadores”, diz João Mendes. “Já acordei às 5 da manhã para comprar jogadores estrangeiros”, conta.
A liga portuguesa foi criada em 2001 e, apenas em dois anos, ganhou mil treinadores. “Agora são mais de 35 mil. Tomara muitos estádios terem tantos espectadores”, brinca Norelen Santos, 28 anos. A engenheira mecânica do Porto é um dos game masters portugueses, responsável pela gestão e manutenção do jogo, a titulo voluntário. As semelhanças com a realidade são evidentes e, no mundo hattrickiano, também há escândalos. “Recebemos cerca de 30 denúncias diárias. Há quem faça batota, nos negócios com jogadores”, revela.
A jogada de Firmino
A simplicidade gráfica de Hattrick – não se vêem jogadores em campo, existindo apenas um relato escrito dos encontros que se desenrolam em tempo real – faz do jogo um autêntico caso de estudo. “Os utilizadores podem criar federações, votar para o treinador da selecção, desafiar equipas internacionais”, diz Norelen Santos. A euforia é imparável. O empresário Firmino Rocha, 37 anos, vai abrir, em Março, no Parque das Nações, em Lisboa, o primeiro de seis Hattrick Caffe.
João Mendes será o representante português na Hattrick Masters, uma prova que reúne os campeões de todas as ligas, entre os quais o sueco Doctor DDd, considerado o melhor do mundo.”Não vai ser fácil batê-lo, ele é que é o verdadeiro José Mourinho ‘hattrickiano’ ”, ironiza o português.
João Mendes
Do plantel para o campeão
Há cerca de ano e meio que Gaspar, 30 anos, defesa-central de Os Belenenses, passa algumas horas por semana em frente do computador, a fazer de treinador de futebol, no jogo online Hattrick, que conta com 35 mil utilizadores em Portugal. Depois de ser informado pelo amigo Pierre, 33 anos, de que o campeão hattrickiano português era adepto do clube do Restelo, resolveu fazer-lhe uma surpresa. No final do treino da manhã de terça-feira, 10, juntou parte do plantel para entregar a João Mendes, 24 anos, uma camisola autografada pelos jogadores. O campeão virtual pisou, pela primeira vez, o relvado do estádio onde, aos fins-de-semana, costuma ir com o pai. “Nunca pensei ser, algum dia, homenageado desta forma”, disse, em jeito de conferência de imprensa.
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