terça-feira, novembro 02, 2004

E NÓS, NÂO FALHÁMOS?

(Artigo da autoria de Eduardo Torres)

Perdemos o jogo com o Boavista. Fiquei triste com isso. Mas a minha tristeza, que seria sempre maior se perdêssemos com o Sporting ou o Benfica, começou muito antes de terminar o jogo, começou mesmo antes de ele se iniciar.

Já se disse que falhou o treinador, que falhou este ou aquele jogador, que falhou a atitude da equipa, que falhou a sorte… e nós, os adeptos, não falhámos???!!!

Falhámos clamorosamente. É bom reconhecê-lo. Vou dizer uma frase politicamente incorrecta: é preciso reeducar os sócios, os adeptos em geral! Porque é muito fácil acusar os outros – os treinadores, os jogadores – de falhar mas…os jogadores passam, os treinadores passam e nós continuamos a falhar:

1. Com ofertas, promoções e mais não sei o quê, estiveram pouco mais de 5.000 pessoas. Não tenho dúvidas, já fiz contas e mais contas, sei a lotação exacta de cada sector, e não estavam mais de 5.500 pessoas. Em frente da televisão, no sofá, é mais cómodo…

2. Um grande número de pessoas entra tarde, sai 10 minutos antes do intervalo, entra 10 minutos depois do recomeço… que (não) ambiente encontra a equipa ao subir ao relvado?

3. A maior parte das pessoas, na bancada dos cativos, adopta uma pose doutoral, de grandes inteligências que, do alto da sua imperturbável postura, estão à espera que as sirvam. Não aplaudem, não gritam, não incentivam. Alguns não abrem a boca – talvez seja desculpável, por ser um certo tipo de inibição. Mas outros, especialistas em assobiar, apupar, insultar, porque não aplaudem e incentivam?

4. Não há no Restelo a cultura de “criar ambiente”. A (não) reacção à ideia que tentei lançar no sábado, embora tardiamente, é reveladora. Há a ideia de que o apoio à equipa não interessa nada – “Eles [os jogadores] é que têm que ganhar”, como já ouvi muitas vezes. Então, pergunto, porque é que todas as equipas fazem melhores resultados em casa do que fora? O Restelo é hoje um dos 2 ou 3 estádios mais frios, em termos de ambiente, da 1ª Divisão. As pessoas não sentem a emoção de sermos muitos, de empurrar a equipa para a vitória, de encher o estádio de cor e de sons de incentivo. Noutros estádios, em momentos em que pressionámos o Boavista, o público galvanizaria a equipa. Não foi o que sucedeu. Nem no Domingo, nem tantas vezes…

Pior ainda: há quem pense que o está em causa é (não) apoiar os jogadores! Não é: o que está em causa é o clube. Frases como: enquanto estiver là fulano tal, não ponho lá os pés, revolvem-me as entranhas! Nós não somos adeptos de Sequeira Nunes, Carvalhal ou Marco Paulo mas, sim, do Belenenses. Ou não é?

5. O Belenenses nasceu, fez-se grande e superou-se pela imensa paixão que nos caracterizava. Haverei de escrever sobre isso, recorrendo aos testemunhos escritos de quem assistiu. Hoje somos o inverso. É a famigerada lógica “empresarial”, tipo empresa de jogos – repare-se bem: exactamente os slogans de…Ferreira Matos e José António Matias! - sem alma, sem orgulho, sem identidade!

6. Por isso, há afinal uma sintonia entre muitos adeptos e alguns dirigentes, que permite ao Dr. Vieira de Freitas fazer esta espantosa declaração: se os preços baixassem para metade, teríamos o dobro do público, pelo que a receita seria a mesma. Logo não vale a pena mudar!!! Bem sei que ele tinha o pelouro financeiro mas como é possível tamanha insensibilidade à possibilidade de termos o dobro do público? !Seria o mesmo, só que na perspectiva oposta, que dizer-se: entre duas possíveis contratações, um dos jogadores custa o dobro do outro; mas como valem o mesmo, tanto faz ser um como outro… compramos o mais caro!

7. A reacção de não comparência, entretanto, tirou-nos alguma legitimidade para protestar contra os preços dos bilhetes. Essa é que é essa…

8. Considero isto mil vezes mais importante do que dizer se o jogador A deve ou não ser titular, se o treinador devia ter posto X no lugar de Y. Embora, repito, seja mais fácil ir por aí… e criticar os “outros”. Mas, muito pior que perder-se um jogo, é perder-se a alma do clube. A não ser que já sejamos apenas uma empresa…

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