quarta-feira, julho 14, 2004

A DÉCADA DE 80 (Continuação) - Parte III – Pódio e Vitória na Taça (cont.) - Subsecção II – A Época de 88/89. A Taça de Portugal



Como tínhamos anunciado, concluiremos esta Parte III da Década de 80 com a carreira que nos conduziu até à vitória na Taça de Portugal em 1989.

Gostava de dizer que havia quem desde o início achasse que teríamos nessa prova e época uma grande oportunidade e lançasse sementes de ambição e de sede de conquista...

Curiosamente, e acho que é justo referi-lo, a campanha na Taça começou com 3 jogos na fase em que Mortimore era o treinador: 3-0 contra o Sintrense, no único jogo fora de casa; também 3-0 contra o Covilhã; depois, 7-2 contra o Estrela de Portalegre.

Já com Marinho Peres, seguiu-se o F.C.Porto, nos oitavos de final. Creio que terá sido em meados ou finais de Fevereiro, numa 4ª feira à tarde, no Restelo (como, aliás, foram 4ª f à tarde todos os jogos disputados no nosso estádio na mesma competição, durante essa época). Não consigo recordar exactamente o aspecto geral do estádio mas, obviamente, pela hora a que o jogo foi disputado, não teve uma grande assistência. Julgo que se teria ficado pelas 10.000 pessoas ou talvez só um pouquinho mais.

A história do jogo pode, antes de tudo, resumir-se nisto: o Belenenses começou a defender mas foi atacando mais, subindo no terreno, à medida que o jogo passava. Progressivamente.

Começámos, de facto, com uma postura que deixava ao F.C.Porto a iniciativa. No entanto, mantivemos sempre a ameaça de contra-ataque e uma pressão muito grande sobre os jogadores portistas quando estes detinham a bola, pressão essa que incentivámos das bancadas com a curiosa expressão “Pica! Pica!”.

Ao regressar do intervalo, equilibrámos o sentido do jogo e a posse de bola e, à medida que o jogo se encaminha para o final dos 90 minutos, passámos a ter algum domínio territorial, a maior insistência no ataque, a maior parte da iniciativa. Agora eram os jogadores do F.C.Porto que corriam atrás dos nossos, o que, num registo humorístico, levou alguém a gritar com suficiente ímpeto para se ouvir à distância: “Eh pá, larga o homem que ele é casado!”.

Persistindo o empate a zero, seguiu-se o prolongamento e, então, o Belenenses arriscou tudo para resolver o jogo, evitando que a eliminatória passasse para as Antas. Até que, quase a terminar a primeira parte do jogo, veio enfim o golo que ansiávamos. Foi um canto do lado direito do ataque belenense (na baliza da superior Norte). Mladenov, com o seu pé esquerdo, fez a bola descrever um arco e esta, por centímetros, ultrapassou a baliza defendida por Vitor Baía (que realizava então o seu 2º ou 3º jogo como titular).

O lance gerou bastante polémica, com os portistas a contestarem a sua validade; o facto, porém, é que as imagens televisivas, em repetição e de vários ângulos, esclareceram que a bola entrou mesmo! Julgo também importante referir que não foi um lance ocasional ou de sorte pois, como já disse, Marinho Peres fazia treinar muito as bolas paradas, Mladenov era um executante exímio e colocámos vários jogadores na área a pressionar. Foi um lance intencional.

No tempo que restou, defendemos naturalmente o resultado, com muita garra e determinação, lançando ao mesmo tempo perigosos contra-ataques que nos poderiam ter dado o 2-0.

Seguiu-se o Espinho, que nos provocou um grande susto. A 1ª parte foi medíocre, terminando em 0-0. Regressámos melhor do intervalo, e colocámo-nos em 1-0 mas, entretanto, a equipa revelou alguma disciplência e consentiu o empate. Pior ainda: quase em cima dos 90m, há um perigoso contra-ataque do Espinho, dois jogadores isolados face a Jorge Martins, este é torneado, e... não é golo, porque um desses jogadores do Espinho se precipita e, em fora de jogo, ainda toca na bola que, de qualquer maneira ia para as redes. A sorte esteve connosco, nesse momento... e felizmente que a soubemos agarrar pois, no prolongamento, a produção de jogo subiu bastante e garantimos a vitória por 2-1.

E veio o sorteio da meia-final, que ditou os jogos Belenenses-Sporting e Benfica-Braga.

Cabe aqui dizer que, para mim, as partidas em que verdadeiramente todo os meios instintos belenenses vêm ao de cima, em que sofro com muita intensidade, tenho paixão, raiva, exaltação de alegria e sabor a glória, ou picos de desânimo e de sentimento de humilhação (conforme a sorte do jogo), são aqueles em que defrontamos o Benfica e o Sporting. E, como clube, ainda mais com o Sporting do que com o Benfica (em que o que mais me irrita é a propaganda jornaleira). Depois, numa 2ª linha, vem o Porto. A seguir, numa 3ª linha (já mais esbatida), vêm, embora deteste admiti-lo até para mim próprio, três outros clubes, mas só em algumas épocas: Boavista, Vitória de Setúbal e Marítimo; e também o Estoril (o que não me impede de reconhecer a injustiça da sua eliminação este ano), o Estrela da Amadora, o Espinho e (independentemente do sucedido este ano), o Moreirense. Seja com quem for, claro, quero sempre muito que o Belenenses ganhe. Mas o que mexe realmente comigo é o Sporting e o Benfica; só a seguir, o Porto (e desde há 3 anos, confesso, o Boavista). Não me vou alargar justificando os porquês.

Dito isto, e tratando-se de uma meia final em que tinha grande esperança numa vitória importantíssima, julgando que ela precipitaria um agudizar na crise do Sporting, compreende-se que esse tenha sido um dos jogos em que o meu sistema nervoso sofreu maiores açoites.

Estiveram mais de 30.000 pessoas no Restelo. Numa 4ªf à tarde, era favorecida a presença de público mais jovem, no que o Sporting tinha maior proporção de vantagem. Adolescentes vestidos de verde pareciam surgir como cogumelos, vinham de todos os lados, autocarros e autocarros, uma massa impressionante. Até alguns minutos do jogo, sentíamo-nos tão poucos...embora quando se iniciou a partida a bancada dos sócios se tivesse composto bem mais e, ao mesmo tempo, fosse possível descortinar algumas “bolsas” azuis no meio da massa verde. O certo, de qualquer modo, é que tínhamos a noção que precisávamos de defender a nossa casa, erguer barricadas, resistir! Espero fazer-me entender com estas palavras...

Num 1º tempo equilibrado, o Sporting foi mais objectivo e, mesmo em cima do intervalo, põe-se em vantagem! Que facada sentimos no peito! E que eternidade foi aquele intervalo! (Os jogadores vieram a declarar que eles os incentivou dizendo que estavam a jogar bem e, num golpe de mestre em termos psicológicos, disse-lhes que só precisavam de fazer era dois golos – pois não queria levar a decisão para Alvalade!

Na 2ª parte, embora pressionando, não conseguimos assentar jogo durante uns minutos mas, depois, foram vagas sucessivas de assalto à baliza do Sporting, numa cavalgada portentosa e empolgante. Sentíamos o golo eminente e, por volta dos 20 minutos, acabou em frustração a nossa explosão de alegria, quando é anulado o golo do empate, por Baidek. Mas não haveria que esperar muito (embora o tempo já nos parecesse voar e fugir). O domínio era agora nosso, dentro do campo e no clamor que vinha das bancadas. A bola tinha que entrar! E entrou mesmo, aos 24 minutos, outra vez a cabeça de Baidek, que se eleva pujante e, correspondendo a um canto apontado, do lado direito, por Mladenov, faz o empate! É o alívio e a galvanização: “agora vamos continuar em cima deles, vamos para a vitória” – pensávamos, pedíamos, incentivávamos. E fomos! Quatro minutos depois, livre de Mladenov, agora na esquerda, e cabeçada magnífica de Saavedra, à altura do estômago, fazendo a bolar descrever um arco magnífico! Um grande golo, os belenenses em delírio, o sofrimento volvido em alegria! “Está ao nosso alcance! Não vamos deixar escapar!”

O Sporting reagiu desconjuntadamente. O jogo era nosso. A 7 minutos do fim, a cereja no cimo do bolo: Saavedra lança Mladenov, este é mais rápido que Venâncio, fica só com o Guarda Redes leonino e, quando este sai fora da área, pica-lhe a bola por cima: era ao 3-1! E era a vitória certa! Era a euforia, o regresso ao Jamor, a Cruz de Cristo novamente forte e altaneira, o triunfo sobre os rivais, o cheiro de vitória, Belém de novo a chegar-se ao topo! A equipa, nesse fantástico dia 12 de Abril de 1989, foi esta: Jorge Martins; Teixeira, Baidek, Sobrinho e Zé Mário; Juanico e Carlos Ribeiro (ao intervalo, Saavedra); Chiquinho, Macaé e Mladenov; Chico Faria (aos 88m, José António). Sendo outro finalista o Benfica, já campeão, garantimos nesse dia a participação na Taça das Taças da época seguinte.

Dia 28 de Maio de 1989, data da última grande conquista do Belenenses no futebol: a vitória na Taça de Portugal. Nessa jornada inesquecível, perante cerca de 60.000 espectadores, dos quais cerca de 20.000 adeptos azuis, com o Estádio Nacional a rebentar pelas costuras (e, por não ter cadeiras, com uma lotação muito superior à de hoje), o Belenenses bateu o Benfica por 2-1. As bandeiras azuis voltaram a agitar-se triunfantemente, 29 anos depois da anterior Taça de Portugal, e 43 anos depois do Campeonato Nacional!

Foi uma final intensíssima, contra o Benfica, que ganhara o campeonato, e que tinha nas suas fileiras jogadores como Veloso, Mozer, Valdo, Diamantino e Vítor Paneira. À maior valia técnica dos jogadores encarnados (contratados por um poder financeiro que não tínhamos nem de perto nem de longe), opôs o Belenenses a sagacidade técnica de Marinho Peres e o arreganho, a vontade e a crença indomável dos seus jogadores. Eles parecem ter correspondido ao estado de espírito com que entrámos no Jamor: a alegria de estar na festa, algum receio mas uma voz íntima a dizer: “Tem que ser! É agora ou nunca!”. E foi! (esta frase, “tem que ser”, repetia eu aos meus alunos, dizendo que o Belém ia ganhar. Naquela Escola (em que, curiosamente, foi minha colega a mulher de um futuro presidente do clube), os não muitos alunos azuis adoravam-me e até aos benfiquistas e sportinguistas eu fiz o Belém respeitado. Talvez tenha lá deixado alguns “bichinhos”. Quando alguém dava uma piada sobre o Belenenses, eu dizia: “O senhor, quando falar no Belenenses, primeiro tira o chapéu!”. E quando eles replicavam ”mas eu não tenho chapéu””, eu respondia “então, cale-se!”. A outros perguntava: “então não tem vergonha de ser do Benfica” (ou do Sporting conforme os casos)? “Que falta de nível e de originalidade!”. Se me vinham falar de tricas entre o Benfica e o Sporting ou entre o Benfica e o Porto, eu dizia: “isso é tudo o mesmo! Diferente é ser do Belenenses!” A verdade é que quando na manhã seguinte à vitória entrei na escola, recebi uma ovação estrondosa e centenas de “miúdos” gritavam “Viva o Belém!, etc.!”

Bem, mas voltemos ao Jamor. Lembro-me que deixámos (eu e o meu pai) o carro muito longe do estádio e aquela caminhada parecia uma espécie de peregrinação. Sentia-me animado ao ver que na multidão que se encaminhava para o estádio havia uma grande proporção de azul. Indo naturalmente para o Topo Norte, aí encontrámos já muitos milhares de belenenses; e muitos mais chegariam ainda. Deve-se dizer que foi uma das maiores enchentes do Estádio Nacional. Os benfiquistas eram mais mas não assim muito mais. Conseguimos quase equilibrar nos incentivos – e, claro, superar bastante nos minutos finais.

O Belenenses alinhou: Jorge Martins; José António; Carlos Ribeiro (depois, Teixeira), Sobrinho, Baidek e Zé Mário; Chiquinho, Juanico, Macaé e Adão; Chico Faria (depois, Saavedra).

Os golos: a pouco mais da 1º parte, passe de Juanico a desmarcar Chico Faria, que arranca como uma flecha, naquele seu jeito de colar a bola aos pés, dá um nó cego a Mozer, que fez uma falta e ficou a chamar a atenção ao árbitro para marcar a falta que ele próprio tinha cometido, o que a acontecer beneficiaria o infractor e faria parar o nosso avançado (isto foi o que se passou e não a versão que Mozer, 15 anos mais tarde, veio contar, i.e., que teria sido ele a sofrer uma falta! Patético, incrível!). Só com o Guarda-Redes pela frente, Chico Faria desvia-lhe subtilmente a bola, que vai vagarosamente para a baliza. Quando acabou a eternidade que demorou a ultrapassar o risco de baliza, foi o delírio entre os beléns, a maior parte deles situados por detrás dessa mesma baliza, no Topo Norte.

Na 2ª parte, a uns 20 minutos do fim, o Benfica empatou e tememos o pior. Mas o Belenenses encheu o peito, foi lá à frente, ganhou um livre directo, e Juanico, a 30 metros da baliza, arrancou um tiro formidável (que andou semanas a passar na Eurosport) e a bola foi indefensavelmente para o fundo da baliza. Foi uma explosão ainda maior! Parecia quase irreal! Por isso, pessoalmente, nem festejei tanto como no 1º golo; fiquei numa espécie de êxtase e a preparar-me para a previsível reacção benfiquista, usando as armas de que dispunha: a garganta para gritar Belém, as mãos para aplaudir ou agitar o pano azul.

No quarto de hora que faltava para os 90 minutos, e mais na meia dúzia de descontos, à tentativa esforçada do Benfica, respondeu o Belenenses com uma garra ainda maior. (Declarou M.Peres no final: “O Benfica é um grande clube mas para nos vencer, teria que ser ainda muito maior, maior do que ele próprio!”). Foram 20 minutos em que sofremos, cerrámos os dentes, gritámos, chorámos, reclamámos “está na hora!”, enchemos o estádio de “Belém! Belém! Belém”, até que veio o apito final. Depois, foi a grande festa, linda, sentida no fundo da alma. Um mar grandioso de bandeiras azuis, caravanas automóveis por aqui e por ali, e uma alegria imensa, indizível!

E no meio dessa felicidade eu pensava: e agora? Estavam ali unidos a memória do que tínhamos sido num passado glorioso, e o sonho do que esperávamos voltar a ser!... Aquela vitória era um final ou um (re)começo? Eu oscilava entre a esperança e o receio, sendo que, porém, aquele e os dias seguintes seriam só para me embriagar de alegria! O Belenenses dá-nos poucas alegrias...mas quando dá, só nós, belenenses, sabemos que são incomparáveis e que valeu a pena tudo aquilo por que passámos.

A terminar, permitam-me uma nota pessoal. Nunca esquecerei aquela final por várias razões, entre as quais ressalta esta: foi o dia em que fui com o meu pai ver uma grande vitória do Belenenses, o único troféu que o nosso clube conquistou estando ambos vivos. Ele morreria meses depois, e eu nunca, nunca, nunca, esquecerei o abraço que trocámos na hora daquela vitória! Espero que, ao menos um dia que seja, possa celebrar uma vitória no mínimo tão grande, abraçado ao meu filho!

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