Constato que tenho feito textos demasiado grandes, mesmo omitindo muitas coisas que me ocorrem. Simultaneamente, vejo que não é possível acabar esta série de artigos, nem sequer fazer as reflexões da década de 80, antes de começarem os jogos da nova época futebolística (no dia em que sairá este artigo, temos o 1º jogo, em Santiago do Cacém). Deste modo, resolvi resistir à tentação de dizer demasiadas coisas em cada artigo e, para poupar espaço, farei uma apresentação mais por tópicos.
A seguir à vitória na Taça, além da imensa alegria, perguntávamo-nos o que viria a seguir: um tempo novo de ambição e de conquistas ou uma recaída na mediania, no conformismo. As respostas chegariam muito em breve. E seriam ainda piores do que aquilo que receávamos!
Da prometida forma esquemática, deixamos alguns pontos que, naquele momento, faziam parte da equação das nossas interrogações:
- Tinha sido uma vitória extremamente meritória, não só pela final em si (triunfo sobre o Benfica, vencedor do Campeonato) mas, também, por toda a carreira, designadamente a eliminação do F.C.Porto e do Sporting;
- Era a primeira vitória, no espaço de uma década, que escapara ao trio dos nossos antigos rivais Benfica, Sporting, Porto. Parecia o Belenenses a reassumir-se...
- Nos últimos 3/4 anos, tendo em conta as diversas competições, tínhamo-nos superiorizado ao Boavista, de certo modo ao Vitória de Guimarães, e claro aos restantes clubes, exceptuando o Porto e o Benfica;
- E o Sporting? O Sporting vivia talvez a sua maior crise de sempre. Estava a meio do seu jejum de títulos, desde 1982; a situação financeira, sobretudo depois da fase Jorge Gonçalves, então a chegar ao fim, parecia ser catastrófica; no últimos anos, ou tínhamos ficado à frente deles no Campeonato (87/88) ou, em termos pontuais, bastante perto (embora sem anunciar grandes conquistas, como eles continuavam a fazer); mesmo em Alvalade, só perderamos 1 vez nos últimos 4 anos; ganháramos a Taça, o que eles não faziam desde 82; e já se ouvia, aqui e ali, dizer que agora, em Lisboa, era o Benfica e o Belenenses, para rivalizar com o Porto. Em resumo, tínhamos a oportunidade de sair da posição de conformado 3º clube de Lisboa, incapaz de competir com SLB e SCP;
- Com 20.000 belenenses na final, apesar da lotação esgotada e da transmissão televisiva, havíamos demonstrado que ainda possuíamos uma grande capacidade de mobilização;
- Além do 3º lugar da época anterior, tínhamos tido algumas fases excelentes em anteriores campeonatos, embora alternando com fases de maior apagamento;
- Havíamos registado duas boas prestações europeias;
- O estádio tinha, enfim, beneficiado de algumas melhorias, com as cadeiras para todos os “cativos” e a iluminação nova e bastante boa (uma das 2 melhores do país);
- Apesar de tudo, abrira-se mais um espaço para os sócios no Estádio, metade da bancada do lado Tejo;
- Havia obras que, finalmente, pareciam encaminhadas: piscinas, campo de treinos relvado...
Todavia, no outro lado da balança:
- Mesmo em tempos auspiciosos, uma parte dos adeptos continuava a evidenciar uma pequenez de objectivos confrangedora (“Competições europeias... para quê?”; “já não descemos...”; “6º lugar? Bem bom!”; “ficar outra vez em 3º? Estás mas é maluco!”; “perdemos? E depois? Querias ganhar sempre? Então, éramos campeões...”; “Na Luz ou contra o Porto é para perder”, etc.”);
- A afirmação de belenensismo por parte dos dirigentes era, por vezes, muito débil. Alguns pareciam nem conhecer a história do clube. Quando Pinto da Costa os acusou de serem do Benfica, quase nem reagiram...
- O clube, em termos de assistências, não só continuava bem distante do Benfica, do Sporting e do Porto (embora menos do que hoje), como não se conseguia superiorizar aos Vitórias (Guimarães e Setúbal) em jogos do campeonato ou de Taças Europeias, e desesperávamos com a falta de preocupação com esse facto;
- O aspecto das instalações ainda era desolador;
- Das camadas jovens, quase nada se aproveitava para a equipa de futebol;
- A imprensa continuava a ligar-nos muito pouco (embora muitíssimo mais que actualmente) e a atacar-nos capciosamente sempre que podia. Exemplo disso, foi o jornal Record do dia a seguir à nossa vitória na Taça: 2 linhas minúsculas na capa, sem nenhuma imagem; todo o destaque para uma entrevista com um jogador do Benfica; na 2º página, um editorial do Rui Cartaxana a dar-nos para trás; insinuações de que ganhámos por causa da arbitragem e da sorte (!!!), o que me pôs em estado de revolta quase colérica;
- A estas discriminações, os responsáveis não reagiam, nem nunca vi uma estratégia (nem preocupação com tal) para fazer reverberar as nossas vitórias, puxar pelo clube, torná-lo atractivo para os jovens, mostrá-lo como alternativa – novamente! Nem o passado sabíamos aproveitar... – aos três clubes que sabemos, dá-lo como exemplo de luta contra a adversidade, reunir élan e entusiasmo à sua volta, fazer aumentar as assistências, manter viva a projecção e a ambição do clube;
- Nas épocas de 87/88 e 88/89, o Benfica e o Sporting contrataram quantidades inacreditáveis de jogadores. Podiam fazer 3 equipas, já com os suplentes! Começou então a campanha, via jornais ao seu serviço e adeptos, para os pôr a rodar, emprestados noutros clubes. E o Belenenses era um dos principais alvos; e em alguns sectores azuis, essa ideia encontrava eco...
A resposta à nossa questão cedo se foi definindo, no pior dos sentidos.
Começou, de certa forma, com o facto de não haver nenhuma celebração preparada. Lembro-me de hesitarmos onde devíamos ir. O meu pai perguntava: “Vamos às Salésias?” (ou seja, para o Restelo. Só que ele quase sempre ainda dizia “Salésias”, onde provavelmente foi mais vezes que ao Restelo...). Resolvemos ir ver se havia algo na Praça Afonso de Albuquerque. Mas, apanhados no meio de bichas, chegámos tarde, pois a camioneta com a equipa já ali estivera. Percebo que, sendo duvidosa a vitória, não se tivesse organizado nada. E também não havia os meios de comunicação instantâneos que existem actualmente. O que não entendo é que, depois, nada se tivesse feito, deixando murchar o entusiasmo, deixando cair o feito no esquecimento em termos de imprensa, não aproveitando e fomentando o entusiasmo...
Continuou nas declarações de responsáveis do clube. Fazendo coro com os comentadores, todo o mérito foi posto em Marinho Peres! “Nós sempre acreditámos que Marinho Peres nos podia dar este triunfo...”. Ou seja, é como se todo o projecto, afinal, tivesse sido, só, Marinho Peres. É um erro recorrente: Meirim (uma catástrofe em resultados; mas falarei disso um dia), Artur Jorge (quase 40 jogadores e primeira descida...); José Romão (...), João Alves (...), Manuel José (...), Inácio (...). Sempre que se confiou demasiado num treinador deu mau resultado. É por isso que, embora esteja contente com a sua contratação, não acho bem toda esta ênfase em que o Carvalhal é que sabe, é que vai fazer e acontecer, é que diz que jogadores é que quer... Acho perigoso. Não é assim que se trabalha nos clubes de sucesso. Veja-se o Porto. Dir-se-á: mas com Marinho Peres não resultou? A minha resposta é: só enquanto ele esteve. Ele sabia levar as coisas e moralizar os jogadores. Mas sempre que ele saiu, foi o dilúvio...
Bom, e naquela altura havia a dúvida se Marinho Peres ia ficar (acho que foi o que se pediu na Praça de Albuquerque, quando o autocarro passou por lá: “Fica1 Fica! Fica”, gritou-se, segundo me disseram). Ainda hoje se diz que ele, então, se foi novamente embora por causa de problemas familiares no Brasil. Mas penso que isso foi um mito que se criou e que foi conveniente que se criasse. É verdade que ele falou em saudades. Mas eu lembro-me perfeitamente que, poucos dias depois da final, entrevistado no programa “Livre e Directo”, na Antena Um (6ª f à noite), quando perguntado se ficava ou não no Belenenses, depois de o próprio locutor dizer “Tem problemas a resolver no Brasil, não é?...”, Marinho Peres não esclareceu: “Sabe, o problema maior nem é tanto esse. Ganhámos a Taça, foi bonito, mas no Campeonato ficámos a 26 pontos do 1º. Então, vai depender de se eu tenho condições para no próximo ano andar cá mais em cima no campeonato. Aí a directoria é que vai dizer...”. E passadas semanas, foi-se embora... No ano a seguir estava no Sporting. E já não havia o problema das saudades... Acho que isto diz tudo, até porque penso que ele gostava e gosta realmente do Belenenses!
Depois, toda a postura do clube, paradoxalmente, era de mostrar menos ambição do que antes da Taça. Era como se toda a ambição se tivesse consumado nessa conquista. Lembro-me que uma ou duas semanas depois, no Restelo, havia um silêncio e um deserto que não havia em nenhum defeso anterior; era como se o clube tivesse adormecido. Feliz mas exausto e adormecido – é isso. Havia muito poucos sócios por ali, e falando doutras coisas que não o clube. Nada de um ambiente festivo, nada de sonhar com outras conquistas, nada de projectar o futuro... Logo a seguir, a minha vida complicou-se e deixei de poder ir ao Restelo com a frequência dos anos anteriores. Mas ainda hoje me espanto com aquela dormência – de dirigentes e adeptos. Uma sensação de cansaço... a que ainda haveremos de voltar, noutro artigo.
Tristemente, não só não houve nada que, festivamente, assinalasse a vitória da Taça no fim daquela época (oportunidade perdida...), como o jogo de apresentação na época seguinte foi contra...o Estrela da Amadora (sem desprimor)! Meia dúzia de gatos, um jogo paupérrimo (1-1), que deprimente começo!
E quanto ao plantel? Antes ainda do fim da época, sabia-se que iam sair Mladenov e Jorge Martins. Acho que o processo não foi bem conduzido, porque não se acautelou a noção de que esses jogadores, em especial Mladenov, eram referências do clube, e porque o clube para onde foram, o Vitória de Setúbal, mais propriamente o seu Presidente de então, nos chamaram “clube de bairro”, “sem ambição” e não tiveram a devida resposta. Mas é verdade que o Mladenov já começava a decair; e, aparentemente, tinham-se assegurado contratações à altura: o Guarda-Redes internacional búlgaro Mihailov, o também internacional búlgaro Sadkov (que se esperava viesse a ser o já então desejado nº 10 de classe) e o avançado Jorge Silva que, no Marítimo, fora o 2º ou 3º melhor marcador do Campeonato (infelizmente, os dois últimos pouco fizeram no clube). Acrescia uma opção para Defesa Esquerdo, Grosso, vindo do Fafe (no ano anterior, em caso de impedimento do Zé Mário, tinha que se adaptar o Adão). Durante o defeso, porém, o central Sobrinho saiu para o Racing de Paris e, para compensar, pedimos Edmundo emprestado ao Benfica. Um grande golpe para mim, revelador (ou antes, a confirmar) a pouca ambição e a aceitação de uma posição de menoridade. E não havia necessidade... Infelizmente, no ano a seguir, viriam mais emprestados e... acabámos na 2ª Divisão – duas épocas (e não uma, como às vezes, suspeitamente, se diz) depois da vitória na Taça. Digo que é suspeito, porque julgo que se pretendeu inculcar a ideia de que tínhamos subido a alturas excessivas – quando foi exactamente ao contrário, a meu ver. Mas disso falaremos outro dia. Voltando ao plantel para 89/90: para piorar, Baidek lesionou-se e assim esteve meses a fio. E Zé Mário jogou dois ou três jogos e foi-se embora (tendo, porém voltado na 2º metade da época).
Quanto ao treinador, para substituir Marinho Peres, veio o búlgaro Hristo Mladenov (não confundir com o jogador, Stoicho). Veremos no próximo artigo o que é que tudo isto veio dar...
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