Vimos na Secção anterior que a seguir à conquista da Taça, não se aproveitou esse feito como rampa de lançamento para voos maiores. Encarou-se, antes, essa vitória como um ponto de chegada, no qual a ambição se esgotou. Não houveram os festejos, a repercussão, a multiplicação do entusiasmo que se justificavam.
Marinho Peres, vendo que não havia ambição para ir mais longe, foi-se novamente embora. Sobrinho saiu e optou-se por pedir um jogador (Edmundo) emprestado ao Benfica, para mim uma espécie de prestação de vassalagem de todo escusada – e uma grande humilhação face aqueles, do Sporting ou do Benfica, a quem eu garantia que não precisávamos de recorrer a tais coisas, porque o grande Belenenses estava de volta. E Zé Mário fez dois ou três jogos e partiu, sem que se contratasse substituto – a história mil vezes repetida do “talvez não seja preciso”. Na mesma linha de falta de qualquer noção de projectar o clube aproveitando a embalagem da vitória na Taça, a apresentação foi contra o Estrela da Amadora. No Restelo, estava-se em plena dormência. Triste, e difícil de acreditar!
Os jogos de preparação foram medíocres. Mas, curiosamente, o campeonato até começou razoavelmente. Na 1ª jornada, empatámos 0-0 na Madeira, contra o Marítimo. No jogo seguinte, no Restelo, uma vitória 2-1 contra o Braga, com uma razoável 1ª parte, premiada com 2 golos sem resposta. Depois, começou o descalabro anunciado. Derrota 1-0 contra o Feirense. E iniciou-se um ciclo impressionante de vitórias em casa e derrotas fora, que culminou numa estranha época em que, no Restelo, tivemos 15 vitórias, 2 empates e nenhuma derrota, enquanto fora, registámos 1 vitória, 2/3 empates e 13/14 derrotas. Porquê 2/3 e 13/14? Porque empatámos 1-1 contra o Nacional mas, por um estúpido erro administrativo nosso – amadorismo inadmissível! – o empate transformou-se em derrota 0-3.
Bom, mas parece haver aqui algo de exagerado nas minhas palavras. Eu falo em descalabro mas… não perdemos nenhum jogo em casa (para o campeonato…); apesar de tudo, tivemos mais vitórias que derrotas; e, acrescento ainda, apenas sofremos 2 golos em casa. Pode não ser brilhante mas… descalabro?!
Sim, descalabro! Descalabro, face às expectativas criadas pelas épocas anteriores. Descalabro pelas paupérrimas exibições durante metade da época: Descalabro porque, não fora um calendário que, face às circunstâncias, nos foi muito favorável, as coisas teriam sido bem diferentes…para pior!
Explico: a nossa produção de jogo era medíocre (Sadkov revelou-se inexplicável desilusão. Todos os treinadores diziam que era tecnicamente o melhor e que nos treinos era óptimo; mas chegava aos jogos e…eclipsava-se. E também teve muito pouco apoio das bancadas, numa atitude incompreensível mas que não é caso virgem). A nossa defesa, sem Sobrinho, Baidek e Zé Mário, tornou-se um autêntico crivo. Isso via-se bem fora de casa: sofremos 4 golos no Bessa, 4 golos na Amadora, 3 golos no Mónaco… era um autêntico susto! Mas em casa, tivemos uma série de jogos com equipas acessíveis: o União da Madeira, o Tirsense, o Beira-Mar, etc, e, jogando muito mal, sem arriscar, lá ganhávamos 1-0… Só tivemos adversários mais difíceis no último jogo da 1ª volta (empate 0-0 com o Benfica) e na 2ª volta. E, aí, como veremos, alguma coisa mudara para melhor.
Mas tudo ia entristecendo: veio a Supertaça contra o Benfica. Perdemos 2-0 na Luz, com a nossa defesa a meter buracos por todo o lado, valendo que o Benfica também não estava grande coisa. A 2ª mão no Restelo, foi outro momento deprimente. Não havia a mais pequena crença de se dar a volta ao resultado. Assistência: umas 5.000 pessoas das quais só uns 30% do Belenenses! Aos 15/20 minutos já o Benfica ganhava, arrumando de vez a questão.
Pelo meio, uma luzinha de esperança e de satisfação: a vitória na Taça de Honra, com triunfos contra o Estrela da Amadora e sobre o Sporting, na final, por 2-1. Esse jogo da final foi no Restelo, numa tarde com um nevoeiro incrível.
As assistências iam estando ao nível das exibições e só quatro ou cinco se destacaram minimamente durante toda a época. Uma delas, embora não muito exuberante, foi a 1ª mão da eliminatória da Taça das Taças, contra o Mónaco.
Estariam presentes umas 15.000 pessoas (com transmissão televisiva). A primeira parte foi sofrível, não mais do que isso. No entanto, entrámos bastante bem na 2ª parte e, por volta dos 10 minutos, chegámos ao 1-0: Chico Faria a entrar bem pela esquerda, a cruzar perto da linha, e Chiquinho, rápido e oportuno, a fazer o 1-0. Foi um momento raro de fulgor, no meio desses meses de penumbra. Por uns minutos, “Abriu-se” o Restelo “em sons e cores”. Não sei porquê, conservo a memória dos flashes dos fotógrafos, a contribuírem para o brilho desses momentos. Mas nem essa alegria durou muito. A um quarto de hora final, em livre directo, Ramón Diaz estabeleceu o empate.
E, na 2ª mão, com a defesa tipo passador, a esperança durou 20 minutos. Perdemos 3-0. E acabara-se as aventuras europeias. Até hoje…
Claro que voltámos a ter azar no sorteio, embora o Mónaco ainda não tivesse o prestígio que depois granjeou… justamente a partir desa altura, talvez da época anterior. No entanto, o Belenenses que eliminara o Bayer Leverkusen, e que quase vergara o Barcelona, também teria sido capaz de afastar o Mónaco. Só que voltara o “Belenenses-zinho”. E na Comunicação Social, só dava outra vez Benfica, Porto e Sporting, que Sousa Cintra, com coragem, diga-se, lá ia reanimando. È que, apesar da imensa crise financeira, o Sporting não enveredou pelo discurso de coitadinho. No Restelo, dizia-se, por vezes: “Eles assim rebentam de vez”. Pois, mas infelizmente, fomos nós a dar o berro!
Para o campeonato, continuava a tristeza. Lembro-me do jogo no Bessa, transmitido na televisão. Desliguei-a quando, ainda não se passara um quarto de hora da 2ª parte, perdíamos por 4-0. Não queria ver mais, pois tudo indicava que ia ser uma derrota estrondosa. Cada ataque deles ou era um golo ou um susto tremendo. Acreditem que foi com grande surpresa e alívio que vim a saber que, milagrosamente, só perdemos por 4-2.
Depois de nova vitória em casa contra um adversário de fundo da tabela, veio a deslocação à Amadora. Recordo-me que, já na 2ª parte, liguei o rádio e – contrariamente ao que me acontece tantas vezes! – oiço interromper da Amadora a “informar” de um golo do Belenenses. “Que bom”, pensei – até que, depois de o repórter descrever a jogada, ouvi a conclusão: “E assim, o Belenenses reduz para 4-1!”.
Bem, pelo que li e me contaram, a 1ª parte foi um autêntico desastre. O Belenenses saiu a perder por 4-0! Pelos vistos, o treinador Hristo Mladenov (que fora um senhor do futebol búlgaro) foi despedido durante o Intervalo! Julgo que não foi uma atitude muito dignificante, até porque não adiantava nada. Mas enfim…. Parece que a 2ª parte foi um bocadinho menos má.
Logo nessa noite foi anunciado o novo treinador: Moisés de Andrade, conhecido por “O Xerife”. Trouxe um pouco mais de garra à equipa mas as exibições continuaram a ser deprimentes. Foi na viragem do ano que as coisas começaram a melhorar, nomeadamente porque – enfim! – se contratou um muito razoável central brasileiro (Oliveira) e Zé Mário voltou (levando a que, no jogo do regresso, cerca de 12.000 estivessem no Restelo, para assistir a jogo com o Portimonense, que ganhámos por 1-0, com golo de…Zé Mário).
E aqui chegamos ao ponto em que nos cruzamos com factos a que já nos referimos na década de 90. Em rigor, a 2ª parte da época de 89/90, pode ser incluída na década de 80. E, por isso, já nos referimos às duas realmente grandes assistências nessa época registadas no Restelo: cerca de 35.000 pessoas contra o Benfica (empate 0-0), no último jogo da 1ª volta, e cerca de 25.000 contra o F.C.Porto (vitória por 1-0, a meio da 2ª volta, quebrando a invencibilidade do que foi o campeão dessa época). Já agora, na penúltima jornada, com cerca de 15.000 pessoas, ganhámos ao Sporting por 1-0, com golo de Chico Faria.
Lembramos, aliás, que toda esta série de artigos, que nunca previ fosse tão longa, tem como ponto de partida assistências significativas. E aqui, devo dizer que sou – ou fui; agora menos - autenticamente “doente” por contar as assistências no Restelo. Às vezes, já o jogo começou e ainda estou a fazer contas. (A propósito: acharia bem um contador de entradas, mas olhem que teríamos uma surpresa muito desagradável, ainda que oposta à de alguns jornalistas). E, sinceramente, sempre me impressionou e desagradou a indiferença com que durante anos e anos as direcções trataram essa questão, e até a atitude de muitos sócios. Lembro-me de, por essa altura, já manifestar preocupação com a questão de fracas assistências (e, no entanto, tão superiores às de hoje!...), recebendo às vezes a seca resposta: “Isso não interessa!”. Pois eu achava e continuo a achar que interessa - e muito!
Bom, pela razão de que é impossível cindir factos encadeados só por causa da mudança de década, vamos aqui repetir, ainda que rapidamente, os factos relevantes da época de 89/90, na sua 2ª metade. E, posteriormente, teremos que abordar, no contexto da década de 80, o sucedido na própria época de 90/91. Sai já fora da década, mas é necessário para se perceber a ligação.
A 2ª metade da época foi melhor. O Moisés lançou o Gonçalves, que jogou muito bem. Lembro-me de uma grande exibição dele, e de toda a equipa, contra o Vitória de Guimarães, que ficou em 4º lugar, mas que nessa partida baqueou por 4-0. E recordo-me de, nesse mesmo jogo se repetir um grito que veio da final da Taça anterior: “Quando o Belenenses joga, Portugal treme”. Alguém ainda se lembra?
Como já disse, chegámos a sonhar com nova vitória na Taça, sobretudo depois da grande vitória em Setúbal, por 2-0, no famoso jogo em que cortaram a luz. Mas, como também já disse, perdemos contra o Farense por 1-2, na meia-final no Restelo. Ao intervalo ganhávamos por 1-0, e acabámos por perder no prolongamento. Justamente no Intervalo, como prenúncio da desgraça, aterrou de pára-quedas, em acção de propaganda eleitoral, o bom do Major Ferreira de Matos. Bom como pessoa, não como candidato e muito menos como Presidente.
Dessas eleições, e das tristes consequências que daí advieram, falaremos no próximo artigo. Vamos apenas adiantar que elas tiveram lugar em Maio de 1990, e que Mário Rosa Freire, ao fim de 8 anos, resolveu não se candidatar. Apresentaram-se inicialmente três listas: A, com Rui da Cruz à cabeça; B, liderada pelo Major Baptista da Silva; C, com a dupla Ferreira de Matos / Joaquim Cabrita. Entretanto, a lista A e C fundiram-se, e surgiu a lista D, liderada (aparentemente) pelo Major Ferreira Matos, com Rui da Cruz à frente da lista para o Conselho Fiscal. Esta lista, teve o apoio, embora com reservas, do Presidente cessante e, infeliz e lamentavelmente, do jornal oficial do clube, que no número anterior à realização das eleições apresentou uma capa com a frase VOTAR COM DETERMINAÇÃO, com o “Votar” e, sobretudo, o “D” destacados e em letras garrafais. A Lista D veio a ganhar com 56,2% dos votos. Com base em quê, veremos no próximo artigo… Talvez com dados surpreendentes, que aliás já prometi.
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