sexta-feira, julho 02, 2004

Belém precisa de alegria

(Artigo da autoria de Eduardo Torres)

Ainda que o ânimo guerreiro da equipa de basquetebol nos tenha trazido alento e satisfação, nós vemos o clube, nos seus sócios e adeptos, a entristecer.

Talvez faça parte de um certo jeito de ser belenenses, especialmente para os menos jovens, um sentimento de saudade, uma ideia entre o trágico e o épico, de uma grandeza passada, de uma glória que se vai perdendo nas brumas... Sou dos que sinto assim; mas nunca me conformei, e espero não me conformar nunca, com viver dos feitos do passado, desistindo de um futuro digno, forte, combativo e alegre. Sim, alegre: já basta de nostalgia, no que ela ultrapassa a justa medida das coisas (que é a de nimbar de um quase misticismo as raízes do clube), já basta de insatisfação, já basta de adiamentos, já basta de fracassos, já basta de desencantos e amarguras que nos vão minando o ânimo, que nos vão tornando quase rabugentos (“marretas), apesar do nosso estoicismo, que nos podem até, por vezes, tornar injustos nas nossas apreciações.

Ser belenense implica que a nossa alma seja sempre maior que as desventuras, as contrariedades, os caprichos da sorte ou do azar, a campionite cega e insensível que odeia e quer esmagar tudo e todos. Nunca amaríamos tanto este clube como o amamos, se ele nos tivesse sempre a encher de vitórias e de conquistas fáceis. Mas... há um limite. Ou, antes, há momentos em que atingimos um limite. Este é um deles. Já sofremos demasiado. Já entristecemos que chegue. São treze anos negros na história do clube: duas descidas de divisão no futebol, o afastamento dos lugares de topo que ainda continuam a ser a exigência da história do nosso clube, a ausência das competições europeias, e, pior ainda, a perda (quase) do direito de ter ambição. Treze anos negros na história do clube: duas gestões financeiras catastróficas (90-91 e 94-96), a desertificação progressiva do estádio (quando não há entradas livres ou oferecidas), o apagamento definitivo do reconhecimento de um lugar de distinção no desporto português. A maioria dos jornalistas, dos jogadores, dos comentadores, até dos árbitros e treinadores, pela sua juventude, não sabe o que é o Belenenses. E cada dia que passa, mais nos afastamos do nosso estatuto. Somos gratos a quem devolveu credibilidade financeira ao clube; a quem acrescentou, reembelezou e melhorou o seu património; a quem possibilitou várias conquistas nas modalidades amadoras. Constituíram esforços notáveis, é justo reconhecer. Mas nem a isso a comunicação social liga, e o que hoje tem peso, força e influência é aquilo que os media ampliam. Esta é realidade.

Precisamos de devolver a alegria ao clube, precisamos de criar no Restelo um ambiente alegre que chame e contagie, sobretudo, os mais jovens, em vez de o enchermos com sofrimentos, protestos e resmunguices (inevitáveis, pelas circunstâncias). Precisamos que o clube esteja vivo, presente e noticiado (por boas razões, claro) todos os dias. Precisamos de recuperar ambição, orgulho, vitalidade, projecção. Precisamos de algo que nos reanime. Precisamos de ousadia (diferente de aventureirismo), de métodos originais, de um golpe de asa. Mesmo um belenense, de vez em quando, necessita de uma alegria. Sim, necessitamos de alegria que se torne contagiante – e de uma alegria real, não ilusória, forçada, distorcida. Está na hora... porque se faz tarde, muito tarde, cada vez mais tarde!

(nota: este artigo é escrito sob protesto contra o recurso a jogadores emprestados pelo Benfica).

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