EPISÓDIO #07: VINTE ANOS DEPOIS
No dia 26 de Maio de 1946, escrevia-se uma das mais belas páginas da história do C.F. "Os Belenenses" com a conquista do título de Campeão Nacional de Futebol da época de 1945/46.
Vinte anos depois, o recentemente falecido Homero Serpa jornalista de "A Bola" e grande belenense, recordava o feito numa entrevista com Vasco Oliveira, uma das «Torres de Belém» juntamente com Capela e Feliciano, um dos campeões nacionais de 1946.
Em Maio de 1966, Homero Serpa escrevia:
«Lembro-me perfeitamente, do grande capítulo da história belenense, quando o famoso "Oitavo Exército" ganhou o jogo de Elvas. Era assim que se classificava o Belenenses nessa época de oiro em que a equipa venceu o Campeonato de Lisboa e o "Nacional", imagem sugerida pela arrancada dos vencedores da batalha do Norte de África então bem na memória do mundo.»
«Eu estava em Elvas. Perto de mim encontravam-se Mário Coelho e Elói que não jogaram, e ainda estou a ver as lágrimas nos olhos de ambos quando Rafael fez o segundo golo. Depois foi a apoteose, a saída do campo por entre alas de raparigas vestidas de azul e branco...»
«Tudo isso vi. E vi a chegada a Belém, vestida de grande gala, colchas às janelas, fremente de entusiasmo quase provinciano. Foi em 1946. Faz, agora, vinte anos.»
«Tudo isso vi...e também vi como começou a desenvolver-se toda aquela alegria. Faltavam treze minutos para o jogo terminar e ainda havia 1-0 para o Elvas. O Vasco, sempre inconformado, sempre temperamental, arrancou pela faixa lateral do campo...»
- Tinha fé nesse lance, tinha quase a certeza de que ia fazer o golo. Passei um jogador, outro e mais outro, nessa arrancada. Até que me "tocaram" e me obrigaram a perder a bola.
«Vasco Oliveira estava na minha frente. Está mais gordo, mas é a mesma criança grande, o mesmo rapaz simples cheio de franqueza a falar. O Vasco reviveu o resto do lance de Elvas:
- O José Pedro marcou o "livre" para o Quaresma e foi golo. Ainda sofremos mais uns minutos. Todos até ao fim, porque, mesmo quando ganhávamos por 2-1 não tínhamos a certeza de que o Campeonato estava na mão.
Já lá vão vinte anos , mas recordo-me perfeitamente de ter visto o Armando a roer as unhas e o Amaro com lágrimas aos cantos dos olhos. Nessa altura, ainda perdíamos e muita gente não tinha esperanças. A equipa chegou a tremer toda . E quanto mais queríamos jogar, pior saíam as jogadas. Perdemos um golo ao princípio, falhado pelo Andrade e, depois, poucas oportunidades tivemos de marcar. A não ser aquelas duas aproveitadas...felizmente...
Vasco ficou a sorrir.
- Eu, francamente, nunca desanimei devo confessar. Tinha força e,
quando a gente se sente bem, não desanima. O Feliciano, o Serafim, também tinham esperança, mesmo que todos os belenenses começassem a duvidar do êxito.
- O Vasco tinha poucos anos de clube...
- Tinha dois ou três. Fui para o Belenenses no ano de 1943, quando assentei tropa. Ainda me lembro que, depois de um jantar a que assistiu toda a equipa e para o qual fui convidado, o Simões me levou ao quartel no seu carro.
Nessa altura, ainda não havia grandes lucros no futebol.
- Ganhei muito pouco dinheiro. O ordenado era de mil e duzentos escudos e mal dava para as passagens diárias entre Cascais e Lisboa e para os almoços...
- E o prémio de vitória no Campeonato?
- Ganhei cinco contos. Mas hoje é que o futebol dá muita "massa". Em compensação, dá mais trabalho, pois um jogador profissional é obrigado a longos estágios e a muitas viagens. Não servia para isso, só me sinto bem em casa.
Muita gente se recorda de ter visto Vasco jogar à bola. Era uma "torre", uma das "Torres de Belém" que tanto êxito tiveram.
- Tinha força, é verdade...Tinha "temperamento" a jogar. Lá isso tinha. Era a minha forma de sentir o jogo, nunca gostei de jogar a brincar; para mim, tudo era a sério. Mas queria vencer todos, queria ganhar, ver o Belenenses na frente dos outros clubes. Era dos que sofria, pode crer. Talvez fosse essa minha forma de interpretar o futebol que tivesse dado a vitória ao Belenenses no Campeonato Nacional, porque mesmo naquela tarde de Elvas, quando as coisas corriam mal, era inconformado e arreliado arranquei por ali fora para fazer o golo.
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