Desde há anos que muitos de nós sentimos, lamentamos e reprovamos o menosprezo a que a imprensa, subserviente de determinados clubes, sucessivamente nos vai votando.
Pela nossa parte, aquilo que nos dói e que entendemos ser merecedor de reacção, não é que se critique este ou aquele jogador, técnico ou dirigente, desde, é claro, que tal se contenha dentro de limites de urbanidade. Revoltamo-nos, sim, e achamos que é necessário que se tome uma posição digna, quando se procura atirar o clube para uma posição e uma imagem medíocre, quando o pouco espaço que nos concedem é ocupado a falar de outros clubes – os “tais” – quando transparece a noção de que se quer impedir o Belenenses de disputar as posições cimeiras.
Apesar de terem existido muitos jornalistas respeitáveis e respeitadores do Belenenses – mesmo quando adeptos de outros clubes -, cujo nome está inscrito a letras de ouro na história da comunicação social portuguesa, muitas vezes fomos vítimas da imprensa. Se hoje tal acontece pela enorme ignorância que jornalistas mais jovens têm do peso do Belenenses no desporto português, em tempos passados foi muitas vezes clara a intenção de que o Belenenses não incomodasse, não crescesse, não fizesse sombra a outros clubes e sobre eles triunfasse. E foi assim desde o início…
Damos novamente a palavra a Acácio Rosa, entremeando aqui e acolá alguns comentários ou notas clarificadoras, entre parêntesis curvos:
“Uma revista ilustrada da época ‘Football’, num artigo que intitulou de ‘Baixos Processos’, move uma campanha ilimitada de ataques aos rapazes da praia [como eram conhecidos os fundadores e pioneiros do Belenenses]. Estávamos em Novembro de 1920. O clube reage e envia à imprensa o comunicado que se transcreve:
‘Sob a epígrafe de ‘Baixos Processos’, publica a revista de V. Exª. um artigo em que se fazem afirmações ofensivas à dignidade dos jogadores que compõem o 1º grupo do Clube que dirigimos, afirmações que não podemos deixar em julgado, para que se não possa inferir do nosso silêncio uma concordância tácita [não será que actualmente, em pleno século XXI, o nosso silêncio não significa, muitas vezes, uma aceitação implícita do estatuto de menoridade que os media nos colam?).
Este artigo encara, duma maneira geral, um incidente de todos bem conhecido, num dos campos de futebol, sobre o tríplice aspecto:‘Técnico, doutrinário e moral’
Se bem que sob o ponto de vista técnico as suas opiniões sejam contestáveis, não o fazemos por esse aspecto pertencer em geral ao público e em especial aos críticos.
Esta época do nosso primeiro jogo oficial, ilustres cientistas e pioneiros da Educação Física, com o seu nome ligado aos progressos do Futebol Nacional, diziam com entusiasmo que há muitos anos se não via, em Lisboa, dar por um grupo português, uma manifestação tão completa de ‘association’, como a feita pelo nosso agrupamento nesse dia.
Nenhum Clube apresenta na época de 1920/1921, um exemplo tão levantado de trabalho insano e metódico, como os Belenenses.
Inscrevemos nos vários campeonatos 26 novos jogadores com conhecimentos adquiridos em treinos sucessivos, jogadores desconhecidos dos campos de futebol, feitos com o seu e nosso esforço, demonstrando assim, bem, o carinho e amor que temos pelo desenvolvimento do futebol.
Um Clube que assim se apresenta, não merece ser anavalhado nas colunas de uma revista, que até hoje dera só exemplos de sã e leal crítica, por qualquer energúmeno, pondo ao serviço da sua tara de psicópata de degenerado.
Porque prodígio da lógica concluiu o articulista, sr. Redactor, que os nossos jogadores eram criminosos natos?
Lendo com atenção o rosário longo de insultos que constitui tão infeliz artigo, parece-nos que Sua Exª baseia a sua observação na falta de educação.
Sendo assim, perguntaremos se Sua Exª reputa de criminosos natos aqueles cuja educação é rudimentar?
Imagine então, Sr. Redactor, quantos criminosos natos a Casa Pia não terá convertido em cidadãos prestáveis?
Felizmente que à frente desse útil e simpático estabelecimento de beneficência se não encontra Sua Exª, que com a sua maneira de ser, aquela que nos revela, teria convertido ‘os criminosos natos’ em ‘criminosos de facto’.
Felizmente, que à frente de tão prestante e benemérita instituição se encontram homens bons, cuja amizade nos prezamos de cultivar, que com a sua sábia direcção e paternal conselho, têm convertido as crianças que entram, em cidadãos ilustres, profissionais briosos e artistas notáveis”.
Noutro passo, continua Acácio Rosa:
“A imprensa ainda ardia de desejos de dizer mal do Belenenses”. E sob o título “APÓS 2 ANOS DE VIDA A LUTA MANTINHA-SE”, lembra uma insidiosa afirmação contida na edição do Jornal “Os Sports”, de 21 de Março de 1921:
‘Diz-se que o C. F. «Os Belenenses» e o S. L. Benfica se vão fundir, depois de terminada a presente época de futebol’.
[Na verdade, 83 anos passados, parece que tal intenção ainda persiste. Nas últimas 2 décadas, às vezes, parece que até dentro do próprio Belenenses…conscientemente ou não, é o que, aqui e acolá, nos parece…Mas o Belenenses haverá de seguir o seu caminho livre e independente, sem prestar vassalagem a ninguém!].
E relata Acácio Rosa:
“Estas outras perseguições movidas injustamente por certos sectores da Imprensa, levaram à natural reacção a direcção do Belenenses.
Repudiando insinuações mal intencionadas a propósito da brilhante vitória da Taça Mutilados de Guerra [imponente troféu, que, na altura, representou extraordinária conquista do nosso clube] e rebatendo boatos e mentiras sobre a vida do Clube, o engº. Reis Gonçalves, como presidente do Belenenses, enviou ao sr. Campos Júnior, redactor principal do Jornal ‘Os Sports’, esta esclarecida carta:
‘Exmº. Senhor Campos Júnior e prezado amigo
Belém, 23 de Maio de 1921
No suplemento de segunda-feira passada do jornal ‘Os Sports’, vem inserida a notícia: ‘Que as imposições que «os Belenenses» fizeram sobre a taça Mutilados da Guerra não eram por mal… É uma questão de princípios.
Não lhes oculto, Exm.º Sr., a impressão desagradável que tal notícia produziu no C. F. Os Belenenses.
É manifesta, transparente, a ironia daquelas duas linhas e muito para estranhar, pois que tendo o jornal ‘Os Sports’ solicitado o nosso concurso para o torneio da taça ‘Mutilados da Guerra’ que organizou, manifesta dum modo tão singular a sua gratidão para com Os Belenenses que, com um desinteresse absoluto, concorrera a esse torneio.
‘Os Sports’ tem há um tempo a esta parte, mostrado uma persistência em nos ser desagradável, cujo interesse eu não consigo explicar-me.
Todavia as provas de consideração e deferência, muito para agradecer, que V. Exª. sempre me dispensou, levam-me a exigir da sua lealdade, a publicação na íntegra desta minha carta, como explicação para o público, de uma atitude antipática que o seu jornal nos atribui, mas que, por ser menos verdadeira, nos apressamos a repelir.
Os Belenenses» não fizeram imposição de nenhuma espécie a respeito da Taça Mutilados da Guerra. Simplesmente protestaram pelo facto de lhes ter sido marcado um jogo que lhes não pertencia jogar, conforme a resolução prévia tomada pela comissão organizadora do torneio. Ora esse critério foi alterado pela mesma comissão sem consulta de um dos clubes interessados - Os Belenenses.
Este clube protestou no uso legítimo de um direito. A comissão insistiu na sua determinação em presença, então, de um delegado de Os Belenenses, que se submeteu a essa decisão.
Não me parece, salvo melhor opinião, que esta atitude mereça os reparos que lhe fez o seu jornal; nem atinjo qual o fim que o seu jornal tem em vista, imputando-nos uma atitude de que nós não assumimos.
O propósito que o seu jornal tem de tornar-nos a vida amarga tem-se mostrado ainda com outra notícia a respeito de uma pretensa fusão Benfica-Belenenses e que nas suas colunas tem sido martelado com uma insistência bastante incómoda.
Para tranquilidade do noticiarista, a que o facto parece desagradar, posso assegurar-lhe que não entrou nas direcções dos dois clubes qualquer negociação a tal respeito, como aliás já o disse ‘O Primeiro de Janeiro» em princípios de Maio deste ano’.
Para terminar posso afirmar-lhe que Os Belenenses tem o mesmo empenho em conservar a sua modéstia, trabalhando pelo desporto quanto podem, dispensando louvores que não merecem e repelindo boatos de propaganda dissolvente.
Creia-me V. Exª. seu amigo e obrigado
Reis Gonçalves
Presidente de Os Belenenses’.
[Tirando a linguagem diferente da que hoje em dia usamos, não podemos deixar de notar a similitude dos ataques, desejos e insinuações que se abatem sobre o Belenenses.
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