quarta-feira, outubro 27, 2004

A DÉCADA DE 70 (cont.) - PARTE VI – Caminhando para o Abismo…

A lista de jogadores que saíram dos quadros de futebol do Clube, dispensados ou vendidos aos nossos rivais, entre 1974 e 1981, é verdadeiramente impressionante:

Murça, Luís Carlos, Calado, Quinito, Freitas, Pietra, Quaresma, Godinho, Gonzalez, Melo, Delgado, Sambinha, Esmoriz, Nogueira, Pincho, Lincoln, João Cardoso… é um nunca acabar!

O espantoso, todavia, é que quanto mais se ia vendendo, mais aumentava a dívida: em 1974, ela rondava os 15.000 contos; sete anos depois, atingira os 95.000!!! Entretanto, desbaratara-se não uma equipa mas duas ou três; contratavam-se jogadores a “torto e a direito”, anunciados como vedetas e que duravam uma época quando muito (na época de 81/82, que nos conduziu ao “impensável”, a 1ª descida de divisão, começámos com 35, sim, trinta e cinco!!!! - jogadores); as classificações caiam nitidamente; o Belenenses ia perdendo a sua aura.

E em todo este tempo, que me lembre, a única obra verdadeiramente importante foi a construção do Pavilhão (a que mais tarde se pôs o nome de Acácio Rosa, e bem, por tudo o que ele deu ao clube e, em especial, nas modalidades “amadoras”), o qual mais uma vez surgiu e resistiu (“abana mas não cai”, como disse na altura Sequeira Nunes) às ameaças da Câmara, como já referi em outro contexto.

Falou-se em poupar, deu-se por uns tostões jogadores aos nossos verdadeiros rivais (que agradeceram, claro), fizeram-se promessas de grandes contratações (que não “deram em nada”)… e ficámos sem jogadores, sem dinheiro e, sobretudo, sem identidade. Um clube à deriva…

Algumas vozes alertavam para o que se estava a passar – entre elas, como sempre, Acácio Rosa. Mas logo eram acusados de velhos-saudosistas-derrotistas-agarrados-ao-passado. E a massa associativa, na sua maioria, não queria saber. Só importava o pontapé na bola, a última contratação, o nome do treinador a vir ou a despachar, o imediatismo. A memória era curta, e uma ou outra vitória, a contratação de um ou dois jogadores, a melhoria pontual da classificação ou da prestação da equipa, mesmo deixando-a muito aquém do que era normal até em anos recentes, deixava a maioria dos adeptos a pensar que estava tudo bem. Ganhámos hoje? Está tudo uma maravilha, a equipa é fantástica, o treinador, genial, os dirigentes, os melhores que já houve. Perdemos hoje? Está tudo mal, vamos despachar os jogadores todos e contratar uma dúzia deles (mesmo que entrem pelo clube adentro sem sequer entenderem o peso da camisola que estão a vestir), e sobretudo, carreguemos o treinador de insultos, porque só uma besta como ele é que punha o António a jogar no lugar do Manel!

A identidade do clube, que alma é que se transmite aos jogadores, que plano e que objectivo é que existe para o clube? Isso não interessa. Faz dor de cabeça. Ou é um lirismo. Como é que se está a gastar, onde e porque é que se está a (des)investir? Não interessa: “estou optimista”. O estádio desertifica-se de Belenenses, os jornais dão-nos menos espaços? “Quero que se lixe!”. Interessa é os que cá vêm, ontem vieram mais 200 que no Domingo passado (embora menos 2.000 que o ano passado…mas isso, não interessa), assim até se vê o jogo melhor, e os jornais…deixei de os comprar! Atenção, estou a falar do que se passava, nas “vozes dos sócios”, há vinte e tal anos atrás… É que pode parecer que me estou a referir ao presente. Na verdade, a diferença não é muito. E é aí justamente que eu quero chegar

Os jogos começam a ser ganhos ou perdidos antes dos acontecimentos lá em baixo, no relvado. Começa-se a perder ou a ganhar nas nossas cabeças! Nossas, de quem? Antes de tudo dos adeptos, sobretudo dos sócios, porque são estes que elegem ou não elegem, apoiam ou não apoiam estas ou aquelas boas ou más direcções; que definem a (não) ambição ou (não lucidez dos que dirigem, pela sua (não) exigência, pela sua (não) compreensão do que (não) é o Clube e do que nele (não) está em causa. Continua depois nos dirigentes. E é destes que se transmite aos treinadores e jogadores. Os adeptos permanecem mais que os dirigentes; estes mais que os treinadores e jogadores. Os exemplos (bons ou maus) vêm antes de tudo, e à proporção, dos que mais permanecem.

Em última instância, somos nós, TODOS OS BELENENSES, os responsáveis pelo que de mau ou bom acontece no clube. Não podemos escolher mal e, depois, “crucificar” aqueles mesmos que (se calhar imprudente ou conformadamente) elegemos. Não podemos ficar cegos a tudo o que não é o imediatismo de um ou dois jogos, contratações ou dispensas e, depois, quando as coisas correm mal, disparar em todas as direcções - vendo-se tantas vezes os tais que, ainda há pouco tempo, estavam eufóricos, a insultar tudo e todos. Quando não se esteve atento, nada se percebeu… e depois, nem se sabe em quem descarregar as culpas – levam todos por tabela!

Por favor, não digam que isto não tem a ver com o presente e o futuro. Uma das minhas grandes revoltas é com a mentalidade que resume tudo a um simplismo. Vejamos esta época: está tudo bem ou está tudo mal à 7ª jornada? O clube define-se pelo presente treinador e por vinte e tantos profissionais? Ou não será que o clube começa muito antes e prolonga-se muito para além desse epifenómeno? E temos ou não o dever de incentivar as nossas equipas – sempre, porque é o clube que está em causa, e não este treinador, aquele jogador, aqueloutro dirigente -, como temos o dever (mais que o direito) de estar atentos, de aplaudir o que está bem e criticar o que está mal, de propor soluções, de fazer sugestões, de termos uma sadia ambição, de preservarmos (antes de tudo em nós mesmos) a identidade do clube, de vê-lo com um todo?

Que mentalidade há no clube? Em que direcção caminhamos? Que projectos existem? Que imagem é que o clube projecta de si? Que respeito é que impomos (ao público em geral, aos “media”, aos jogadores)? Que opções estratégicas devem ser feitas? Em que é que vamos apostar? Como trazer público, gente, POVO, ALMA ao nosso estádio? Estas, sim, são questões realmente importantes, e não se o malandro do treinador devia ter posto X no lugar de Y, ou se os jogadores A ou B (que, se calhar, para o ano, já vestirão outra camisola), fizeram um grande jogo ontem ou se deram um “frango” e perderam um golo de baliza aberta.

Porque, em última instância, quando as coisas correm mal, o culpado… somos todos nós! Como a todos nós cabe mérito (em proporções diversas, claro), naquilo que corre bem. Porque…

O BELENENSES SOMOS TODOS NÓS!

Sem comentários: