quarta-feira, junho 08, 2005

Quantos Somos - Parte II - Conclusão

Eduardo Torres

Na 1ª parte deste artigo, vimos que o Belenenses continua a ser o 4º clube português em termos de adeptos, que é um dos únicos cinco que tem implantação nacional e que somos perto de 200.000, contando os que vivemos em Portugal, e entre 250 e 300 mil, se contarmos com os que estão espalhados pelo mundo.

E deixámos então a pergunta: sendo assim, tendo nós uma considerável legião de adeptos, porque é que, actualmente, e desde há alguns anos (cada vez pior, diga-se), as assistências no nosso estádio são tão decepcionantes?

Vamos, primeiramente, colocar um ponto de ordem: é claro que as imagens televisivas são enganadoras porque não apanham a bancada dos sócios, onde normalmente há mais gente, mas sim o lado contrário: e porque, tendo nós a pista de atletismo (de uma qualidade que nenhum outro clube português de futebol se pode actualmente orgulhar), há uma distância maior entre o relvado e as bancadas, fazendo com que as câmaras (televisivas ou fotográficas) não incidam nos anéis superiores, que é justamente onde se concentra o público. Por outro lado, é igualmente verdade que o nosso estádio é muito amplo, comparado com a maior parte dos outros. Sem desprimor, no Estádio das Amoreiras (Estoril), 2.000 pessoas fazem o estádio estar meio (grosso modo); no Restelo, as mesmas 2.000 pessoas fá-lo-iam parecer vazio, quase deserto. O que em alguns estádios de clubes primodivisionários seria uma grande enchente, não deixaria o nosso Estádio com, sequer, meia “casa”.


continua...


Tudo isto é verdade mas continua a ser um factos que as assistências no nosso estádio são decepcionantes. Vamos procurar ver as razões:

1. Sendo o Belenenses um clube de expressão nacional, com muitos adeptos a viverem longe do estádio, a percentagem dos que assistem ao jogo tenderá sempre a ser menor do que os clubes com apaniguados local ou regionalmente concentrados. Por exemplo, os adeptos do Vitória de Guimarães estão praticamente todos no concelho de Guimarães, a pouca distância do estádio; pelo contrário, muitos adeptos azuis moram a largas dezenas ou centenas de quilómetros do Restelo.

2- O Belenenses está sediado numa grande cidade, cosmopolita por natureza, onde inexiste o factor regionalista. Sempre sem desprimor, tomemos como exemplo a maior parte dos clubes da 1ª divisão, que são clubes de uma cidade ou concelho: Setúbal, Braga, Guimarães, Leiria, etc. Não há nessas cidades médias ou pequenas o tipo de solicitações que há em Lisboa; tudo fica perto do Estádio; o jogo da equipa local é a única oportunidade de os naturais daquela cidade assistirem a futebol ao vivo; os seus adeptos vão, pois, presenciar o jogo, não obstante só serem adeptos em 2ª linha, visto o seu primeiro clube ser, por exemplo, o Benfica ou F.C.Porto (coisa que, como vimos, praticamente não existe no Belenenses). Em Setúbal, podem estar 4.000 pessoas a assistir ao jogo do Vitória local com o Gil Vicente: provavelmente, 1.500 são do Benfica, 1000 do Sporting e 300 do F.C. Porto, como 1º clube, e só 1.200 do Vitória. Em Braga, podem estar 10.000 pessoas a presenciar um jogo com o União de Leiria: provavelmente, 5.000 são do Benfica, 2.000 do F.C.Porto, 500 do Sporting e só 2.500 do Braga como primeiro clube. Obviamente que não temos números rigorosos mas não deverá andar muito distante disto. E obviamente que os exemplos dados não implicam o mais leve desprimor para com os clubes mencionados. Mas fica a diferença: se o Belenenses jogar, por exemplo, com o Nacional, e estiverem 4.000 pessoas, então, 3.900 são só do Belenenses.

3. Apesar de em termos de massa associativa o panorama ser diferente, por causa do impressionante número de sócios praticantes que temos, o facto é este: a estrutura etária de adeptos do Belenenses é elevada. Ora, a experiência mostra que um adepto de 60 ou 70 anos tem menos apetência (e vitalidade) para ir ver futebol do que um de 20; e, obviamente, um adepto de 40 ou 50, tem normalmente um peso de obrigações e compromissos impeditivos ou dificultadores de assistir ao jogo muito maior do que um adepto de 18.

4. E, claro, aqui entra o percurso histórico do Belenenses: os seus tempos de glória foram no passado, e foi aí que atraiu o grosso da sua massa de adeptos. Depois, vieram os tempos de queda e, com isso, perdeu percentagem de adeptos (como vimos, em 1960, os belenenses seriam quatro vezes mais) e perdeu adeptos presentes nos jogos, tristes e cansados de resultados decepcionantes. No fundo, é normal: são muitos anos de tristezas e desilusões. Quem recorda o que foi a grandeza do Belenenses, quase prefere esquecer aquilo em que se tornou. Repare-se que, com o devido respeito, para um adepto vimanarense, um 5º lugar pode ser entusiasmante. Para os belenenses que já viram muita coisa – não falo, mais uma vez, dos que pensam que o clube começou há meia dúzia de anos atrás, e/ou dos que querem é ser o Boavista II -, um 5º lugar não diz assim tanto: afinal, por quase 30 vezes ficámos acima do 5º lugar! Acho que só lutando pelo título ou chegando a uma fase bem adiantada de uma competição europeia é que a nação belenenses voltará a fervilhar de entusiasmo.

5. No entanto, há um factor adicional, sobre o qual já falámos várias vezes. Não se pode concluir simplistica e linearmente que “bons resultados trazem boas assistências”. Repetindo: no ano a seguir a ganharmos a última Taça de Portugal, as assistência desceram! Porquê? Em minha opinião porque, em vez de se aproveitar a embalagem e potenciar o entusiasmo, se fez o contrário: desinvestiu-se e, sobretudo, perdeu-se garra, alma, orgulho. Falo por mim e certamente por muitos outros: eu ficaria mais motivado se me dissessem “temos uma grave crise financeira, por isso vamos jogar com uma equipa de ex-juniores mas cheia de raça e vamos todos cerrar os dentes” do que a mornice sem chama da época que passou. Ou seja, é preciso transmitir vibração, alento, orgulho, “alma” (é aqui que a alma entra e não onde o que se exige é competência técnica) e é isso que há muito se não faz no Belenenses.

6. Infelizmente, há décadas que no Belenenses se perdeu uma “cultura de massas”, a ideia de fazer do Restelo “um inferno”, de empurrar a nossa equipa para a vitória com os nossos incentivos, de “irmos todos”. Isso entristece-me muito. E é completamente ao arrepio do que foram as nossas origens. Leia-se por exemplo, os jornais do clube, semanais, da década de 50; recorde-se a lenda do quarto de hora à Belenenses, quando a equipa, incentivada pelo público, cerrava os dentes e, buscando todas as forças, virava os resultados desfavoráveis (começou logo no nosso 1º jogo com o Benfica: ganhámos 2-1 mas, á entrada do último quarto de hora, estávamos a perder); ou relembrem-se estas palavras, que aqui voltamos a reproduzir e que foram originalmente publicadas no jornal Eco dos Sports de 1937, caracterizando a maneira única de ser do Belenenses: “Já nos referimos aos pombos que a rapaziada de Belém larga em pleno azul, após as suas vitórias. Hoje, fazemos mais. Apresentamos o pitoresco duma fotografia em que se vê o popular Azevedo, findo o jogo com o Benfica, abrir as mãos e atirar para a imensidade a boa nova dum pombo correio, que levava o amável segredo da vitória…

Bilhete curto, de caligrafia comovida e nervosa, ele aí vai pelos ares fora, sobre o coração da ave – pronto a tornar-se em foguetes e vivas

Ganhámos! Uma palavra apenas, a saber a lágrimas e a risos.

(…)

Belém desesperava. O desafio estava dado como perdido – e todos se olhavam com tristeza. E quando finalmente, com a sua fidelidade, generosa, o pombo surgiu, ninguém queria acreditar…

- Ganhámos! Ganhámos!

São assim os entusiastas do grupo da praia. Querem ao seu clube como se quer a uma pessoa de família. Amam-no e comovem-se com os seus triunfos. Choram e afligem-se com as suas derrotas.

Belém é assim um clube que vive das almas… (…)

Quando Belém acaba um jogo há sempre lágrimas. É o clube popular por excelência. O seu entusiasmo sincero e comovedor, cheio de ingenuidade talvez, é assim enorme como um gigante de alma primitiva”.

Urge recuperar este “espírito”, adaptado (é claro) á realidade dos nossos dias.

Face a isto, o que fazer para, como já escrevi, “Devolver o clube ao povo e o povo ao clube”? Vou desenvolver o que já em tempos avancei, e daí as múltiplas citações a que procerei:

a) “Adoptar uma política coerente e sistemática que permita transmitir uma imagem correcta, forte, respeitada e apelativa do clube, tanto directamente para as pessoas em geral, como para a comunicação social, e que permita torná-lo mais popular, atraindo novos adeptos. Cabe-lhe estudar a imagem que o clube deve projectar de si, e factores de diferenciação e identidade clubísticas que se tornem chamativos. Consideramos isto fundamental: um clube só capta e fideliza adeptos se tiver algo de estimulante que o caracterize e diferencie. Sem essa clara definição, dificilmente andaremos para a frente”. Isto foi sendo adiado durante décadas. Está na hora!

b) Recuperar uma mística à Belém, preservando a nossa identidade e o nosso orgulho mas falando de ambições presentes, e de sonhos e conquistas a realizar.

c) “Realizar campanhas de recuperação de antigos sócios, podendo incluir a redução drástica do quantitativo de quotas a pagar e, se possível, a manutenção do número de sócio. Devem idealmente ser feitas com um texto expressivo e ‘inspirador’ – tocante, arrebatador, apelativo - e quando o Belenenses estiver em “’alta”. Para a próxima época, está-se a construir um excelente plantel, o melhor desde 95/96 (e sem o despesismo de então). Dentro de pouco (duas semanas), seria o tempo ideal para encetar esta campanha, aproveitando a onda e falando de ambição.

d) “Incluir no jornal do Belenenses, em todos os números, um destacável com uma proposta de sócio que pode ser enviada para os competentes serviços do clube, tornando muito simples a adesão. A proposta deve ser o mais simples possível, só com os elementos identificativos absolutamente indispensáveis. Nos cafés das zonas onde o Belenenses tem mais implantação – Belém, Ajuda, Algés ... - deveria haver exemplares do jornal do clube, oferecidos”.

e) Incluir, no jornal do Belenenses, textos, adaptados a cada jogo, apelando a uma presença em massa. Requer-se não umas frases vulgares mas, sim, imaginação e capacidade de tocar, empolgar a até comover através da escrita.

f) Dirigir missivas pungentes aos sócios e ex-sócios, inculcando a ideia de que é um dever estar presente e apoiar, e que é uma vergonha não estar presente e não apoiar

g) Definir e manter uma “política de preços coerente e consentânea com o poder de compra dos portugueses e tendo sempre presente o princípio de que é melhor obter a mesma receita com mais espectadores e bilhetes mais baratos do que o contrário. Diferenciar os preços das bancadas superior e inferior do lado Nascente (antigas Central e Lateral), e tentar que os sectores mais perto do relvado estejam mais compostos (transmitem mais calor; e aparecem em fotografias de jornais e imagens de TV. Público atrai público, desertificação atrai desertificação...)”. Um começo foi feito no jogo com o Vitória de Setúbal... E acho que é de manter, o que se então fez, isto é:

h) Organizar excursões de filiais e núcleos de Belenenses para assistir aos jogos;

i) Publicar alguns anúncios na Comunicação social e recorrer a uma campanha de cartazes em espaços públicos apelando à presença nos jogos do Restelo;

j) Fazer, copiar e colocar “cartazes, prospectos e apelos à comparência na grande Lisboa, sobretudo nas ruas e estabelecimentos de Belém, da Ajuda, de Alcântara, de Algés, de Carnaxide e de Linda-a-Velha, de Miraflores e de Paço d’Arcos, da Trafaria e da Costa da Caparica, aí onde pulsam mais corações belenenses”. Os membros das claques (mas não só) poderão colaborar nisto com entusiasmo.

k) Oferecer aos espectadores adereços que dêem alegria e colorido ao espectáculo: bandeiras, cachecóis. É preciso encher o Restelo de sons e cores, de entusiasmo e alegria. Instruir speaker para criar um ambiente coerente com as tradições do Belenenses (o grito é “Belém! Belém! Belém!” e não “Beléeeeeeem”) e para não repetir frases como “Trapattoni vai mexer na equipa” ou outras ainda piores.

l) “Acabar com a necessidade de adquirir bilhetes de quota suplementar, aumentando, em contrapartida, as quotas em cerca de 5%” ou, em alternativa, criar bilhetes de época com uma promoção muito bem feita,

m) “Oferecer 2 ou 3 convites por época para jogos de futebol (excepto contra Benfica e Sporting) a praticantes de todas as modalidades do clube”. Dar materialmente um convite, incentiva mais a ir, pela coisa formal que é ter um convite, do que apenas dizer “podem assistir livremente”.

n) Entre os praticantes, nomeadamente os utentes das piscinas, através de questionário discreto antes de cada inscrição anual, procurar saber quem é mesmo adepto do Belenenses e, a esses, oferecer convites para os jogos com o Benfica e o Sporting (pode-se também ofereceê-los, nesses jogos, a quem, não sendo adepto do Belenenses, também não seja adepto do outro clube com quem vamos jogar).

o) “Oferecer, a quem comprove a assistência a 80% dos jogos de cada Campeonato, em alternativa, a gravação em vídeo de 2 jogos ou um semestre de quotas pagas a novo sócio que se proponha (e que não tenha deixado de ser sócio nos 5 anos precedentes), assim premiando positivamente quem assiste aos jogos, incentivando a equipa com a sua presença”.

p) Oferecer convites a Escolas (notemos que é com isto que se preenchem milhares de lugares no estádio do Benfica...). Isso foi feito limitadamente no jogo com o Vitória de setúbal; urge fazer muito mais.

q) Dinamizar e apoiar activamente as claques, exigindo em troca um comportamento sempre digno.

Com todas estas medidas – e porventura outras que não nos ocorram – decerto que as assistências aumentarão muitíssimo no nosso estádio!

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