domingo, dezembro 05, 2004

Quem é irresponsável?

(Artigo da autoria de Eduardo Torres)

Achei relativamente bem a contratação de Carvalhal (dos treinadores portugueses disponíveis, era uma das melhores opções) mas nunca me entusiasmei com ela, por não ver razões para tal. Por várias vezes alertei contra o endeusamento que dele se fez em certa altura, lembrando que dessa idolatria até à diabolização quando as coisas corressem mal, e fosse preciso encontrar um bode expiatório, iria um pequeno passo. Nunca alinhei em frases do género “o Professor Carvalhal é que sabe”, “estou optimista, porque confio no Carvalhal”, a certa altura muito populares. Deixei escrito, pode ser verificado. Digo isto, porque acho que devemos ser coerentes. E assumir os nossos erros e responsabilidades. Como tenho repetido, “o Belenenses somos todos nós” e todos somos responsáveis nos triunfos ou nos insucessos.
Sempre me espantou a frase muitas vezes repetida: “este ano está a trabalhar-se de uma maneira diferente, no Restelo”. Fomos violentamente acusados e insultados, por pessoas alegadamente responsáveis e atentas, quando mostrámos a nossa incredulidade perante essa frase, e quando sustentámos que o clube é muito mais do que isso, permanecendo (quase) tudo por fazer. Por mais que tentasse, não via assim tantas diferenças; e, nas que via, umas eram para melhor, outras para pior. Melhorou-se um pouco em falar menos e actuar mais no que respeita a contratações; ficou-se na mesma, na sistemática falta de garra, de “raiva” (no bom sentido), de ambição e de paixão; piorámos ainda na mediocridade dos objectivos anunciados e no recurso a um carregamento de empréstimos vindos do Benfica e do Sporting.

O recurso a empréstimos no nosso clube, negação chocante da sua própria identidade se os jogadores em causa vierem do Benfica, do Sporting ou até do F.C.Porto, sempre esteve ligado, no passado, a descalabros organizativos e classificativos, consequência lógica do facilitismo, do imediatismo, da menorização e da reveladora falta de orgulho, motivação, ambição e auto-estima. Diga-se o que se disser, os factos são incontestáveis – por isso que os defensores desse tipo de empréstimos sempre lhes respondem com o inevitável silêncio. Contra factos, os argumentos são difíceis.

Defendeu-se os empréstimos com argumentos como o “o Benfica, o Sporting e o Porto também recorrem a eles”, esquecendo que nunca pedem jogadores emprestados aos seus rivais (excepto em reciprocidade), e sim a clubes estrangeiros, pois ainda não perderam o que no Belenenses, entre muitos dirigentes e adeptos, se perdeu já: o orgulho, a identidade, a verdadeira paixão. Por isso, naturalmente, os adeptos desses clubes gozam connosco e dão-nos pancadinhas paternais nas costas quando referem os jogadores que nos emprestam, por serem “amigos”. Pelos vistos, há quem goste. Eu não, nunca, jamais!

Defendeu-se os empréstimos com argumentos como “quem sabe se com esses jogadores [Cristiano, Rodolfo Lima, Lourenço] não vão aumentar muito as assistências” – e aí está a grande qualidade que trouxeram (um buraco no lado esquerdo da defesa; dois avançados que juntos, ao cabo de 13 jornadas, marcaram um – um! – golo sem ser de penalty) e as grandes assistências no Restelo a mostrar o valor desse argumento...

Defendeu-se, enfim, o recurso a empréstimos do Benfica e do Sporting com o argumento de que “o Mónaco pediu o Morientes emprestado e foi semifinalista da Liga dos Campeões”, como (já não digo se o Rodolfo Lima fosse o Morientes...) se o Real Madrid e o Mónaco fossem velhos rivais do mesmo campeonato – como são (foram?) o Belenenses, o Sporting e o Benfica -, e como se fosse o Mónaco, à escala, um exemplo a seguir... O Mónaco é um clube elitista, frio, sem raízes populares. Nesses clubes, sem casta e sem paixão, é normal que se aceite, como bom negócio, os empréstimos, até porque não há rivais específicos. Mas... é essa frieza que queremos? O nosso modelo, é sermos o Mónaco de Portugal ou o Boavista II? Dispenso, obrigado.

E foi-se alegremente para os empréstimos. Em número quase igual ao das contratações a valer: Juninho, Amaral e Zé Pedro. Infelizmente, o Sandro nunca teve uma oportunidade; e o Cabral terá sido um recurso face à lesão de Sousa.

O ambiente morno-frio que se instalou no Restelo, a continuada falta de ambição que persiste no clube, sublinhada pela velho, revelho e retrógrado recurso aos empréstimos de Sporting e Benfica, o porreirismo vigente e o horror a “ondas” e a paixões que vêm caracterizando largos sectores do nosso clube (como me custa reconhecê-lo!) têm um efeito paralizante, entorpecedor, anestesiante em técnicos e jogadores. Treinadores tidos por bem sucedidos e ambiciosos chegam ao Restelo, fazem o discurso da praxe que estão num grande clube blá-blá-blá, e logo aderem tranquilamente ao cinzentismo e à mornice, ao espírito do qualquer coisa serve, e ficam a ganhar currículo (o nome do Belenenses ainda tem força – a quanto tem resistido!), sem ambição ou com ambições medíocres, assumindo na prática (em flagrante contradição com o discurso inicial) que não descer de divisão já é bom. E o incrível é que o podem fazer... O vazio e a frieza das bancadas e a falta de orgulho e ambição de alguns dirigentes tudo permitem!

Podem, sim, treinadores gerir a sua carreira independentemente dos resultados, e nisso todos temos culpa. Se forem treinadores sobremaneira preocupados e envaidecidos com o seu “curriculum”, com a sua imagem, e com os aplausos de uma comunicação social que, na maioria, conhece tanto do Belenenses como eu conheço de gramática chinesa, podem até continuar a colher os louros de (supostamente) estarem “a jogar um futebol bonito, atacante, que não abdica dos princípios” e estarem “a fazer uma carreira que está exceder as expectativas mais optimistas de adeptos e dirigentes!!!”.

E é isto que se passa com Carvalhal e a maioria do plantel. É isto que o ambiente que se vive no nosso clube, nas ausências e omissões, nas mentalidades pequeninas e anti-ambiciosas (exacto, não só não ambiciosas de como anti-ambiciosas) de dirigentes, no conformismo e afastamento dos adeptos, permite que se faça com todo o à vontade.

Volto ao início: sejamos coerentes e responsáveis! A carreira decepcionante (pelo menos para quem alimentou ilusões) da equipa de futebol, tem males que são globais, que são de adeptos e dirigentes e só depois se propagam a técnicos e jogadores. Se a nossa mentalidade não mudar, bem podemos trocar de treinadores e jogadores, que só por milagre chegaremos aos lugares de topo...

Acho que seria bom pensarmos nisso, antes do próximo linchamento moral do treinador que antes se endeusou. E, se não me levam a mal, sobretudo os que (ir)responsavelmente acusaram de irresponsáveis e outros epítetos piores os que só querem o bem do clube, já viram muita coisa, são livres e independentes, e não ficam encantados com dois dedos de conversa de treta. Nunca pretendi gostar ou saber mais do clube do que quem quer que seja mas tento ser coerente e justificar o que defendo com argumentos, sem ir atrás de idolatrias ou diabolizações. E já agora, torcendo sempre (em pensamento e aplausos e incentivos) pelo sucesso do clube, independentemente de quem seja dirigente, treinador ou jogador, seja ele qual for... Uma coisa é certa: se me tivesse equivocado tão flagrantemente, teria a hombridade de o reconhecer e de dizer que estava enganado!

Acho que o optimismo pode ser um estado mental muito saudável mas, por um momento, sejamos realistas: estamos mal, estamos longe de lugares cimeiros, irremediavelmente longe, e começamos até a abandonar lugares tranquilos. Escassos pontos nos separam da “linha de água”. A menos de metade do campeonato, com o calendário que temos pela frente nos próximos 6 jogos (4 deles fora, e uma recepção ao Benfica), realisticamente, é difícil aspirar a mais do que não passarmos por fortes dores de barriga...

E agora? Dia a dia o clube perde vitalidade, apesar dos heróis que lutam contra a maré; época após época (e esta, é mais uma) se adia e compromete o encontro com o futuro; dia a dia são menos os que ainda têm viva a noção do grande clube que fomos, não para repetir o discurso anestesiante dos pergaminhos mas para aí recolher garra e inspiração para novas conquistas a realizar. Entretanto, no futebol profissional, o treinador repete um discurso narcisístico (com bastante auto-elogios explícitos ou implícitos), que seria razoável se estivéssemos a fazer um belíssimo campeonato, mas que, assim, se assemelha a um autismo; não vemos garra e capacidade de luta na equipa; já se anuncia novo contentor de emprestados do Benfica e do Sporting (apesar dos péssimos resultados dos que já vieram), logo aclamados por alguns que (desculpem-me a franqueza) nada parecem aprender com a experiência; fala-se, além do mais, da necessidade de reforçar a equipa.

Sou contra. Sou não apenas contra (mais) empréstimos, como contra a vinda de novos jogadores em Janeiro. Essa vinda só se justificaria se constituísse um trunfo adicional para lutarmos pelos lugares cimeiros ou se a situação classificativa e a (falta) de qualidade do plantel fizessem temer a descida de divisão.

Chegar aos lugares de topo, é já uma quimera. Infelizmente, não estamos muito longe dos lugares de aflição mas penso que temos plantel para não passarmos por esse sofrimento.

De modo que julgo que, em termos de contratações, se deve guardar cartuchos para a próxima época, que espero planeada (então sim!) de maneira diferente, com outro ambiente, aspirando aos lugares de topo. E, até lá, com este plantel, que se acorde o treinador para duas realidades:

* Estamos mais perto do Inferno do que do Céu.
* Cuide da sua imagem só depois de cuidar dos interesses do clube, a que serve como profissional, e a quem a qualidade do trabalho prestado está longe de satisfazer.

Espero, entretanto, que se assegure rapidamente o reforço (reforço a sério!) da equipa para a própria época. A meu ver, far-se-á necessário um comandante para a defesa (se Sandro continuar a não ter oportunidades), um defesa esquerdo de raiz, um trinco, um médio ala direito, um médio ala esquerdo e dois avançados (um jogador possante de área e um outro, que até pode vir de escalão secundário).

Seja como for, o problema fundamental não está nos jogadores. Em última instância, nem está no treinador. Pergunto-me mesmo se está em certos dirigentes actuais, ou se estes não são mais do que o eco da doença que vem minando o clube.

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