Que o campeonato português é pouco competitivo, pelo menos se atendermos às classificações finais, é uma ideia profundamente enraizada em adeptos, jogadores, dirigentes, imprensa e até mesmo no estrangeiro. De facto, os mesmos 3 estão sempre entre os 3 ou 4 primeiros classificados, com algumas honrosas excepções, nos últimos anos fruto de um Boavista em crescimento e com apoios “estranhos”. Fala-se muito do proteccionismo dos árbitros, do poderio económico de 3 clubes face aos restantes, do facto da grande maioria dos adeptos do país se distribuírem exclusivamente por 3 clubes, da falta de ambição dos mais pequenos, da Comunicação Social só se preocupar com 3 clubes, entre muitos outros factores. Mas há um que nunca vi realçado e que é, no meu entender, talvez a maior causa para este desnível: a inexistência de mercado interno de transferências.
Se os clubes com poder financeiro, que o têm maioritariamente porque vendem para o estrangeiro, voltam a fazer o dinheiro circular lá para fora, só marginalmente o futebol português conseguirá ganhar realmente algo com essa venda, por muito boa que ela seja. Repare-se no ridículo: Porto contrata Paulo Ferreira por 200.000 contos, vende-o passados 2 anos por 4.000.000 de contos (20 vezes mais!) e apressa-se a gastar esse dinheiro, na sua maioria, em jogadores estrangeiros. Mas o Paulo Ferreira, lateral campeão europeu de clubes e vice-campeão europeu de selecções, custou ao Porto 4 vezes menos que um “jeitoso” lateral Argentino, Hugo Ibarra, que nunca provou ser sequer um jogador de bom nível…
Antchouet, o nosso “querido trapalhão”, vale quanto aos olhos de um Benfica ou Sporting? 200.000 contos? E se ele jogasse num Neuxatel Xamax, Tirol Innsbruck, AZ Alkmaar ou La Louviére??? Aí seria uma pérola africana, “the next big thing”, um Eusébio em potência, e valeria 3 ou 4 vezes mais??? Como é possível um médio mediano como Rodrigo Tello (como ele há a pontapé na 2ª B) custar 1,6 milhões de contos, mas não darem os 100.000 contos da cláusula de rescisão de Neca há 2 anos atrás, na altura em que o jogador azul até estava na Selecção A? Estará também ligado ao facto de, passados 4 anos sobre a contratação do Chileno, vir a público que o clube de origem só recebeu 300.000 contos? Onde param os restantes 1,3 milhões???
Quantos e quantos jogadores fora do círculo dos 3 clubes com mais poder financeiro não têm capacidade para representar as suas cores? Então, a minha questão é: será que é uma questão estratégica, de forma a enfraquecer os que já à partida são mais fracos, não negociar com eles de forma justa? Será que Bossio é melhor que Marco Aurélio (que heresia!!!)? Será que Kmet é melhor que Wender? Será…?
Esta situação ridícula, em que todo o investimento é dirigido ao exterior por parte dos poucos que têm condições para dinamizar o mercado, leva a que o “mercado” pura e simplesmente não exista. Quantas transferências existem que não envolvam os 3 clubes com mais poder financeiro? Falo de transferências de jogadores que demonstraram valor onde estavam e por quem um clube pagou algum dinheiro “concreto”, não falo das típicas transferências portuguesas: o Hélder Rosário não vingou aqui vai para o Boavista, o Tiago não vingou no Benfica vai para o Leiria, o Cândido Costa não vingou no Porto vai para o Braga, etc, etc, etc… Isso não são transferências de um mercado normal, mas pura e simplesmente uma troca de “refugo” entre uns clubes e outros, isto sem por em causa o valor dos envolvidos, que muitas vezes se vem a manifestar no clube seguinte. Faz lembrar os leilões de automóveis usados, maioritariamente utilizados por negociantes do ramo para “rodarem” carros com pouca saída.
Para mim, esta situação resulta claramente de uma tentativa de estrangular os pequenos levada a cabo pelos grandes. Mas não é só aqui que quero chegar. É que nem para o estrangeiro se consegue vender um jogador por uma verba decente, pois toda a Europa sabe que jogadores portugueses, excepto dos 3 clubes maiores, são a maior “pechincha” que existe! Por dois motivos óbvios: se os maiores clubes do país não pagam nada por eles, então é de desconfiar ; se aparece um qualquer Albacete, Al-Alhy ou Wolves com meia dúzia de tostões, eles são essenciais para pagar os 4 meses de ordenados em atraso mais as reparações na bancada que está quase a cair, e o que sobra ainda dá para mais 3 ou 4 brasileiros!!!
Imaginemos que Antchouet jogava no AZ Alkmaar, da Holanda, um campeonato ao nível do nosso em termos de expressão europeia. Imaginemos que levava 10 golos nesta altura do campeonato, depois de ser o melhor marcador da equipa nos últimos 2 anos, tinha 24 anos e um futebol que, mais ou menos trapalhão, é eficaz. Imaginemos agora que o mesmo Nantes que anda “de olho” em Antchouet, do Belenenses, andava de olho no Antchouet do AZ Alkmaar… parece-vos que o valor de um e outro são iguais? Não falo do valor técnico, que é exactamente igual. Falo daquilo que o Nantes estará disposto a pagar. Tirem as vossas conclusões.
Mas já que falo do Nantes, é engraçado analisarmos o campeonato Francês. De facto, é comum dizer-se que é um campeonato menor da Europa (como o nosso), mas apesar disso as suas equipas fazer sempre boa figura nas competições europeias e com um dado adicional: hoje é o Lyon, amanhã o Bordéus, ontem o PSG, ante-ontem o Saint Ettiene e depois de amanhã o Mónaco. E pelo meio, o Lille faz uma surpresa, o Grenoble levanta a Taça e o Rennes é campeão. Ah, e se for preciso ainda há tempo para o Ajaccio erguer a Taça Intertoto. Comparem com o nosso campeonato. Questionem o porquê…
É um facto que os melhores jogadores franceses não jogam em França. Aliás, quase a totalidade da selecção francesa que encantou o mundo há uns anos jogava no estrangeiro. No entanto, as equipas francesas mantiveram sempre uma prestação constante e são sempre um adversário complicado e com bons jogadores, muitos franceses e alguns estrangeiros de bom nível. É até curioso que as maiores figuras do campeonato sejam estrangeiros, e por vezes jogam em equipas do meio da tabela. Mas isso resulta de em França haver um mercado interno que é claramente abastecido pelas vendas dos melhores jogadores para o estrangeiro, receita essa que em grande parte é investida no mercado interno. E, dessa forma, encontramos clubes com disponibilidade financeira (hoje uns, amanhã outros) para investirem em jogadores de qualidade, e não nos famosos “contentores de brasileiros”, na esperança que apareça mais um Deco no meio de cada 1.000 ou 2.000 que demandam a terras lusas. E cria-se um ciclo vicioso que só pode dar frutos.
Mas volto a repetir: parece-me mais do que o eterno provincianismo português (o que vem de fora é que é bom), uma estratégia de quem “manda” no futebol português. Mas isto está a mudar, e quando um dos 3 andar a lutar para não descer e perceber que o que Mourinho disse pode ser verdade (com 3 jogadores do Leiria pode-se ser campeão), se calhar já vão tarde de mais… espero bem que sim.
terça-feira, dezembro 14, 2004
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