sexta-feira, março 14, 2008

A MALDIÇÃO DO MUNDIAL DE 1966



EPISÓDIO #09: A MALDIÇÃO DO MUNDIAL DE 1966

No último episódio realçámos a contribuição dos belenenses Vicente e José Pereira, para o brilhante terceiro lugar alcançado pela selecção nacional portuguesa no campeonato do mundo de 1966, disputado em Inglaterra. Hoje relembramos a triste forma como estes dois grandes jogadores terminaram as suas carreiras de futebolistas no Belenenses, pouco depois de terem alcançado os píncaros da fama no Mundial de 1966. Como se o campeonato do mundo tivesse lançado uma maldição...

A época de 1966/67 tinha começado mal para o Belenenses. Na terceira jornada surgiu finalmente a primeira vitória, num jogo muito difícil em Guimarães. Quando esse jogo se disputou ninguém poderia adivinhar que seria o último da excepcional carreira de Vicente Lucas.

No dia 3 de Outubro de 1966, as equipas alinharam:

VITÓRIA DE GUIMARÃES
Roldão; Gualter, Pinto, Joaquim Jorge e Daniel;
Artur e Peres (cap.); Castro, Naftal, Mendes e Vieira.

BELENENSES
José Pereira; Rodrigues (cap.), Quaresma, Vicente e Sá Pinto;
Cardoso, Adelino e Alfredo; Caetano, Carlos Pedro e Godinho.


O Belenenses chegou ao intervalo a vencer por 0-1, golo de Caetano, o VSC empatou no início da 2ª parte por J. Jorge e, aos 17 minutos, de novo Caetano a fazer o 1-2 final. «No Belenenses, o sector que suportou mais pesada tarefa foi o defensivo. Vicente e Rodrigues estiveram muito bem...».

Sem o saberem, Vicente e José Pereira, não mais voltariam a jogar juntos, no Belenenses e na Selecção Nacional, ao fim de mais de dez anos de companheirismo.

Quatro dias após a vitória em Guimarães, às 17.15h do dia 7 de Outubro de 1966, quando se dirigia ao Restelo para banhos e massagens, dá-se o acidente que terminaria com a carreira de Vicente.

«Encaminhava-me para o Restelo, à minha frente, uma furgoneta virou bruscamente, ao mesmo tempo que fazia o sinal. Eu guinei a direcção tive medo de bater nela. Mas já estava quase em cima do passeio, que galguei, e o embate com um poste não tardou. Senti-me projectado para a frente e bati contra o pára-brisas. Saí do meu carro para increpar o motorista, mas ele viu-me com o sangue a jorrar das feridas e transportou-me ao Restelo. Deixei-me ir. Não sei quem é o homem da furgoneta, mas, lá no Restelo tiraram o número e apontaram tudo. Apontaram tudo».

Com lesões muito graves na vista, terminara em plena maturidade a carreira de Vicente, um futebolista modelo de correcção e outras virtudes, um futebolista a quem o futebol português ficou a dever muitos dos seus êxitos. Não voltou Vicente a pisar os relvados com os seus pés maravilhosamente subtis e sua forma de jogar, elegante, sóbria e eficiente.


A tragédia abate-se sobre Vicente

Falemos agora de José Pereira. Como acima foi dito, a época de 1966/67 tinha começado muito mal para o Belenenses, e o acidente de Vicente ainda veio complicar mais as coisas. À 10ª jornada, o clube encontrava-se em penúltimo lugar com apenas mais dois pontos que o último, a Sanjoanense.

Como seria de esperar, nestas circunstâncias, havia uma grande insatisfação no seio da massa associativa, pouco habituada a esta classificação.

Em 11 de Dezembro de 1966, o Belenenses recebeu e perdeu 1-2 com o FC Porto. Após o 2º golo do Porto, aos 17 minutos da 2ª parte, José Pereira pediu para ser substituído porque um sector dos adeptos o começou a apupar.

Após o jogo, em entrevista a Henrique Monteiro de "A Bola", José Pereira desabafaria (fragmentos da entrevista):

«Entrei para o Belenenses com 14 anos de idade. Descontado um ano em que representei o Costa da Caparica, por motivo de serviço militar, há, pois, 20 anos que sirvo o clube, com todo o meu esforço, a minha vontade e a minha dedicação...»

«Os golos sofridos no último domingo, fossem de minha exclusiva culpa ou não, não mereciam as reacções que provocaram... Aquela parte da massa associativa que se pronunciou, não tinha o direito de reagir da maneira injusta como o fez. A crise do Belenenses não é da minha responsabilidade, não começa nem acaba em mim»

«...A falta de razão dessa parte da massa associativa que reagiu (e costuma reagir) contra jogadores, técnicos e até dirigentes, serviu para me dar uma verdadeira lição que só agora aprendi: um jogador de futebol não deve permanecer tantos anos numa equipa. A massa associativa cansa-se, tanto faz jogar bem como jogar mal...»

«...Enquanto Vicente estava na equipa, as coisas iam-se aguentando (...) mas desde o triste acidente que tanto nos afligiu, a verdade é que a equipa caiu verticalmente...»

«Já pedi ao treinador para não me incluir na "linha" dos próximos jogos (...) atiram tudo para cima de mim. O mais antigo na equipa e o mais velho em idade! (...) No final da época vou-me embora e olhe que quero muito ao Belenenses, muito mais do que aqueles que vão para a bancada desmoralizar os jogadores»

«Fui para o Belenenses um jogador baratíssimo, mas mesmo assim não estou arrependido. Se sofri no Belenenses muitas desilusões, também lá deixo muitos amigos. Eu, que já era "belenense" quando ingressei no clube, continuarei sempre a sê-lo, talvez ainda com mais amor...».

Após esse "fatídico" jogo com o Porto, o titular na baliza passou a ser o guarda-redes Gomes. José Pereira jogaria ainda os dois últimos jogos do campeonato, contra o Benfica, na Luz, e contra o Vitória de Setúbal no Restelo. Este viria a ser o seu último jogo com a camisola do Belenenses, porque no final da época seria transferido para o Beira-Mar, na altura na II Divisão, prescindindo da festa de homenagem em troca da desvinculação, aos 35 anos assinava por três anos com o seu novo clube, mostrando-se ainda convicto de voltar a representar a Selecção Nacional.

Diria ainda na despedida:

«O ambiente à minha volta já não era propício. Não me sentia em casa (...). Entrava em campo com a sensação de que me ia estrear (...). Parece que me exigiam a tarefa de ganhar jogos sozinho».


Penúltimo jogo de José Pereira no Belenenses

Assim ficou concluída a "Maldição do Mundial de 1966", em que terminaram abruptamente a carreira no clube, dois dos melhores jogadores belenenses de todos os tempos! Não foi por acaso que ambos foram recentemente eleitos, em votação dos adeptos, para o melhor onze de sempre da história do clube.

Se Vicente foi sempre acarinhado pelo clube até aos dias de hoje, já o mesmo não aconteceu com o "Pássaro Azul", para com o qual continua a existir uma "dívida moral" por saldar...Até quando?

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