quinta-feira, fevereiro 05, 2004

A guerra da tribo indigena

Há algo que, a cada dia que passa, mata lentamente o futebol português. É uma morte em lume brando, aos poucos, como se houvesse requintes de malvadez por parte do assassino. Sei que não sou o único, há todo um país que assiste, cada vez mais incrédulo, cada vez mais distante, ao desmoronar do, supostamente, desporto-rei.

O futebol português transformou-se numa guerra infindável, onde vale tudo. Foi o melhor treinador da Europa que disse que para ganhar tudo valia. E há mesmo quem diga que ele deseja a morte de adversários... Há dirigentes que incendeiam ânimos antes dos jogos, incitam as hostes ao intervalo e dizem mata e esfola depois do jogo, como se pretendessem um eterno prolongamento do protagonismo que só lhes advém da liderança do mundo do futebol... Há médicos que mentem para defender uma camisola, que se contradizem conforme a cor do seu xadrez, que fazem um cheque-mate ao Juramento de Hipócrates em nome de mais umas achas para a fogueira e publicidade fastidiosa aos seus consultórios... Há jornalistas que inventam notícias, incitam a guerrilha, criam divisões territoriais num país unido há quase mil anos, com história ancestral, em nome da liberdade de imprensa e do direito de informação, mas são pura e simplesmente meros figurantes numa decrépita encenação... Há claques que se organizam para virarem costas ao jogo, gritarem impropérios contra inimigos inventados (D.Quixote ficou na história e lutava contra moínhos de vento) ao abrigo dos abutres que os protegem e deles se servem... Há políticos que aparecem no Estádio, na TV, na Imprensa, em qualquer festa do croquete onde haja alguém do futebol, só porque o boneco ao lado de um qualquer personagem da Tribo do futebol é passaporte para altos voos... Há empresários de jogadores que arruinam carreiras, gerem quilos de carne humana que depositam ano após ano em diferentes paragens, sempre com comissão à entrada e à saída, e exploram os clubes até à mais ínfima gota... Há arbitros que são pressionados a todo o instante, que são ameaçados, que (como todos nós) têm de agradar ao patrão se querem ter futuro na carreira e, por conseguinte, ficam com a visão toldada para um dos lados, equivocam-se sem razão, inconscientemente mentem em cada apitadela, perdem dignidade a cada 90 minutos...

E cada vez há menos espaço para os jogadores de futebol. Nunca aparecem, são endeusados ao Domingo e votados ao esquecimento o resto da semana, raramente são entrevistados e quando o são, ou a entrevista é absolutamente insípida e politicamente correcta, ou então os dirigentes esquecem-se de tudo o que esses homens fizeram por eles e, envoltos numa teia de notas de euros que os prendem (e que eles pensam ser a salvação), fazem como que uma finta agarra ladrão que apaga o jogador do mapa para todo o sempre.

E cada vez há mais espaço para os espectadores nos estádios (e também nos sofás de casa), afastados por essa Tribo que se auto-segrega e se considera uma espécie superior, acima dos dramas diários que afectam qualquer um dos comuns mortais. Que gostavam tanto de poder vibrar com a essência do futebol: A Guerra da Tribo Indígena... perdão, os Golos!

E, cada vez mais, eu, um mero bloguista Belenense, sem vergar ao peso de anos e anos de tristezas Azuis, me afasto também desse mundo abjecto. Gosto demasiado de marcar golos para me deixar enlear na teia do anti-jogo.

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